Arthur W. Pink
Tem-se ressaltado com freqüência que o requisito fundamental na exposição da Palavra de Deus é a necessidade de preservar o equilíbrio da Verdade. Com isto concordamos de coração. Duas coisas são indisputáveis: Deus é soberano, o homem é responsável. Neste livro procuramos demonstrar a primeira dessas verdades; em outras obras temos insistido na segunda. Que existe o perigo de salientar indevidamente uma delas, e de negligenciar a outra, reconhecemos sem hesitação; e a História nos oferece numerosos exemplos de ambos os casos. Ressaltar a soberania de Deus, sem acentuar, ao mesmo tempo, que a criatura é responsável, tende ao fatalismo; preocupar-se tanto em manter a responsabilidade do homem, ao ponto de perder de vista a soberania de Deus, é exaltar a criatura e rebaixar o Criador.
Quase todos os erros de doutrina são, na realidade, a Verdade pervertida, a Verdade mal distribuída, mal ensinada. O mais lindo rosto da terra, o mais encantador semblante, logo ficaria feio e de aparência desagradável, se um membro continuasse a crescer, e os demais não se desenvolvessem. A beleza é, primariamente, uma questão de proporções. Assim acontece com a Palavra de Deus: sua beleza e bem-aventurança se percebem melhor quando a multiplicidade da sua sabedoria é exibida em suas verdadeiras proporções. É nesse ponto que tantos fracassaram no passado. Determinada fase da Verdade de Deus tem impressionado uma pessoa ou outra de tal maneira que nela lhe concentrou toda a atenção, ficando excluídos todos os outros interesses. Esta ou aquela porção da Palavra de Deus se tem transformado em “doutrina predileta,” e, não raro, se tornou o distintivo de alguma corrente específica. Mas, o dever de cada servo de Deus é “anunciar todo o desígnio de Deus” (Atos 20:27).
É verdade que nos dias degenerados em que vivemos, quando de todos os lados se promove a exaltação do homem, e quando “super-homem” veio a ser expressão comum, há verdadeira necessidade de se dar ênfase ao fato glorioso da supremacia de Deus. Esse é tanto mais o caso quando está sendo mais expressamente negada essa supremacia. Mesmo em tal circunstância, porém, precisamos de muita sabedoria, para que não demonstremos um zelo “não segundo o entendimento.” As palavras, “o alimento no devido tempo,” devem estar sempre presentes no espírito do servo de Deus. A necessidade primária de uma congregação não pode ser a necessidade específica de outra. Se alguém é chamado para servir onde tem havido pregadores arminianos, a verdade negligenciada da soberania de Deus deve ser exposta – porém, com cuidado e cautela, para não se dar excesso de “alimento sólido” para as “crianças.” É necessário ter em mente o exemplo de Jesus Cristo; conforme se lê em João 16:12: “Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora. Por outro lado, se eu for incumbido de orientar um estudante nitidamente calvinista, então a verdade da responsabilidade humana (nos seus muitos aspectos) pode ser acentuada com proveito. O que o pregador precisa anunciar não B aquilo que suas ovelhas mais gostam de ouvir, e, sim, aquilo que mais falta lhe faz, isto é, os aspectos da verdade que lhe são menos familiares, ou que menos se evidenciam em seu viver.
Por em prática o que acima ensinamos provavelmente exporá o pregador à acusação de ser um vira-casaca. Mas, que importa, contanto que tenha a aprovação do seu Mestre? Não se lhe exige que seja “coerente” consigo mesmo, nem quaisquer regras elaboradas pelos homens; seu dever é ser “coerente” com as Escrituras Sagradas. E, nas Escrituras, cada faceta da verdade é contrabalançada por algum outro aspecto da verdade. Há dois lados em tudo, até no caráter de Deus, pois ele é “luz” (I João 1:5), mas também é “amor” (I João 4:8). E, por essa razão, somos exortados a “considerar a bondade e a severidade de Deus” (Romanos 11:22). Pregar sempre um lado e excluir o outro B moldar uma caricatura do caráter divino.
Quando o Filho de Deus se encarnou, assumiu no mundo a “forma de servo” (Filipenses 2:6); mesmo assim, entretanto, na manjedoura era “Cristo, o Senhor” (Lucas 2:1 I)! Dizem as Escrituras: “Levai as cargas uns dos outros” (Gálatas 6:2), mas o mesmo capítulo insiste: “… cada um levará o seu próprio fardo” (Gálatas 6:6). Prescreve-se-nos que não nos devemos inquietar com o dia de amanhã (Mateus 6:34), porém, “se alguém não tem cuidado dos seus, e especialmente dos da sua própria casa, tem negado a fé, e é pior do que o descrente” (I Timóteo 5 :8). Nenhuma ovelha do rebanho de Cristo pode perecer (João 10:28, 29), mas a ordem dada aos crentes, determina: “confirmai a vossa vocação e eleição” (II Pedro 1:10). E assim poderíamos continuar, multiplicando as ilustrações. Essas coisas não são contradições, pois elas se complementam mutuamente: uma contrabalança a outra. Assim sendo, as Escrituras demonstram tanto a soberania de Deus como a responsabilidade do homem.
Nesta obra, porém, é com a soberania de Deus que nos preocupamos, e, reconhecendo de bom grado o fato da responsabilidade do homem, não nos vamos deter a cada página para insistir nesse ponto; ao contrário, temos procurado ressaltar aquele aspecto da verdade que nestes dias está sendo quase universalmente negligenciado. Talvez 95 por cento da literatura religiosa dos nossos dias se dediquem a demonstrar os deveres e as obrigações dos homens. O fato, entretanto, é que os autores que tomam sobre si expor a responsabilidade humana são aqueles que perderam o “equilíbrio da Verdade”, por negligenciarem, em grande medida, a soberania de Deus. É absolutamente certo alguém insistir na responsabilidade do homem. Que dizer, porém, sobre Deus? Não tem Ele reivindicações e nem direitos? Necessária seria uma centena de livros como este, e dez mil sermões precisariam ser pregados pelo país inteiro, sobre este assunto, para atingir-se o equilíbrio da verdade. Perdeu-se tal equilíbrio, e essa perda se deve à ênfase, que vai além das proporções, dada ao lado humano, ao ponto de apequenar-se, senão mesmo de excluir, o lado divino. Reconhecemos que este livro é unilateral, porque se propõe a tratar de um só dos lados da verdade, o lado negligenciado, o lado divino.
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