Rev. Ronald Hanko
Tradução: Márcio Santana Sobrinho
(I)
Nós recebemos a seguinte difícil questão sobre a predestinação:” Os supralapsarianos sustentam que sua teoria faz justiça à ordem lógica do decreto de Deus. Os oponentes respondem que isto está muito próximo de fazer de Deus o Autor do pecado. Eles podem também enfatizar o fato histórico de que tanto a Confissão de Westminster quanto o Sínodo de Dort adotam a posição infralapsariana. Estes sínodos estão corretos em adotar a moderada teoria infra?” Nós iremos responder essa questão em vários artigos.
Algumas explicações são necessárias. Muitos talvez nunca tenham ouvido as palavras supra- ou infra-lapsarianismo, ou se ouviram, não se lembram o que elas significam. Nem deveriam se preocupar. O assunto aqui é um sobre o qual a Escritura nada fala.
De forma geral, essas duas palavras têm a ver com a ordem lógica dos decretos de Deus. Mais particularmente, elas dizem respeito à relação entre predestinação e a queda da humanidade nos decretos de Deus.
A [primeira] questão é: Quando Deus escolheu alguns e outros não, ele os escolheu como aqueles a quem ele já tinha previsto como caídos (infra-lapsarianismo), ou ele os escolheu simplesmente para sua própria glória e então “posteriormente” decretou sua queda e redenção como a maneira como ele os usaria para a sua glória (supra-lapsarianismo)?.
Isso envolve uma [segunda] questão sobre onde Cristo entra no decreto. Deus previu a queda primeiro, então escolheu alguns para a salvação, e somente então decretou Cristo e sua obra como a resposta ao pecado, de forma que Cristo entra por último no decreto de Deus? Então a ordem seria: (1) criação e a queda, (2) eleição, (3) Cristo (= infra-lapsarianismo).
Ou Deus primeiro decretou Cristo como aquele por meio de quem ele glorificaria a si mesmo, então escolheu alguns “em Cristo” e finalmente decretou a queda e redenção como o meio pelo qual ele glorificaria a si mesmo em Cristo e seu povo? Então a ordem do decreto de Deus seria: (1) Cristo, (2) eleição, (3) criação e a queda. Desse modo Cristo é o primeiro nos decretos de Deus (supra-lapsarianismo).
“Infra-lapsarianismo” significa “debaixo” ou “após” a “queda” (infra = debaixo, lapsus = queda) e é o outro ensino de que o decreto da predestinação foi após o decreto da queda. De acordo com este esquema, Deus primeiro viu seu povo como caído e então determinou salvá-lo, escolhendo somente alguns para serem salvos.
A palavra “supra-lapsariano” significa “acima” ou “antes” da “queda” e refere-se ao ensino de que o decreto da predestinação ocorreu antes do decreto da queda. De acordo com este esquema, Deus primeiro planejou salvar alguns para a glória do seu nome e então planejou de o que ele os salvaria.
Infra-lapsarianismo, então, ensina que a ordem lógica dos decretos de Deus é a mesma ordem das coisas na história — a queda primeiro e Cristo depois. Supra-lapsarianismo diz que a ordem é o oposto da história, Cristo primeiro e a queda depois, isto é, que devemos pensar nas coisas do decreto de Deus pela ordem de sua importância.
Talvez agora possamos ver a dificuldade. Quando fazemos a primeira pergunta, a ordem infra-lapsariana parece preferível à luz de Romanos 8:29 e Efésios 2:4 (i.e., quando Deus nos escolheu, ele nos viu já como caídos, NÃO conformados à imagem de Cristo e NÃO santos). Quando nós fazemos a segunda pergunta, a ordem supra-lapasariana talvez pareça preferível especialmente à luz de Colossenses 1:16-18 (i.e., que Cristo está antes de tudo, inclusive nos decretos de Deus). Qual, se alguma delas, é a correta?
(II)
Neste artigo nós continuamos a lidar com a questão do supra- versus infra-lapsarianismo (cf. vol. V, no. 20). Quem nos fez a pergunta questionou a respeito de Westminster e Dort: “Estes sínodos estão corretos em adotar a moderada teoria infra?” i.e., alguma das duas visões está correta?
Está claro pelas confissões reformadas que elas adotam o ponto de vista infra-lapsariano. Assim, você vai encontrar nelas declarações no sentido de que Deus escolheu (elegeu) seu povo dentre uma raça caída, isto é, entre a raça humana que ele tinha primeiramente previsto como caída.
Contudo, nós enfatizaríamos que nem os Cânones de Dort nem a Confissão de Fé de Westminster condenam o supra-lapsarianismo. De fato, em ambas as assembléias estiveram presentes homens que sustentavam a visão supra-lapsariana—Gomarus e Maccovius em Dort e Rutherford, Goodwin e Twisse em Westminster.
Ambas as visões ensinam os fundamentos bíblicos: (1) que a predestinação é dupla e inclui a eleição e a reprovação; (2) que ela é eterna e incondicional (i.e., que Deus escolhe e rejeita sem levar em conta mérito pessoal, mas tão somente de acordo com a sua boa vontade—Ef. 1, Rm. 9; (3) que Deus eternamente decretou a queda do homem e a entrada do pecado no mundo; e (4) que Deus decretou todas as coisas para sua própria glória.
Ambos ensinam, então, que a predestinação é eterna e é em algum sentido anterior ao atual evento histórico da queda. Ambos também ensinam que na história, a redenção segue a queda e a entrada do pecado no mundo. A cruz de Cristo é o remédio para o pecado. A questão somente diz respeito à ordem dos decretos de Deus, acerca dos quais a Escritura nada diz.
Isto não é dizer que não há verdade em nenhuma das visões. Mas tanto quanto há verdade bíblica em qualquer das visões, há verdade em ambas.
Por exemplo, a Escritura ensina que Cristo é primeiro e central nos decretos de Deus (cf. Col. 1:16-17). O supralapsarianismo enfatiza isto com sua ordem: Cristo, eleição em Cristo, criação e a queda.
Por outro lado, com sua ordem, o infralapsarianismo enfatiza a verdade bíblica de que a eleição é graciosa por se ver Cristo até nos decretos de Deus como a resposta e o remédio para o pecado: criação, queda, eleição, Cristo (cf. Ap. 13:8). Note, entretanto, que o infralapsarianismo NÃO diz que a eleição segue a queda no tempo (o que seria Arminianismo), mas somente nos decretos de Deus.
Todavia, a questão é muito especulativa e abstrata. A Escritura não diz nada sobre a ordem lógica do decreto de Deus e isto é, portanto, um assunto de pouca importância e não deve ser matéria de discussão ou divisão ou um teste de ortodoxia entre cristãos.
O fato é que o decreto de Deus é UM, tal como o próprio Deus é Um. Por essa razão, portanto, nós cremos, é desnecessário falar sobre a ordem nos decretos e tentar separar e organizar as coisas em alguma ordem.
Devemos enfatizar que Cristo é “antes de todas as coisas” como os supra-lapsarianos fazem. Isso é extremamente importante. Mas devemos também enfatizar que a eleição é graciosa e a reprovação é justa, como fazem os infra-lapsarianos. O que é igualmente importante.
Enfatizando estas duas coisas nós não seremos, estritamente falando, nem supra- nem infra-lapsarianos, mas iremos meramente estar sustentando aquilo que está revelado e deixando as coisas secretas, as coisas que Deus não revelou, com o próprio Deus.
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