Prof. Herman C. Hanko
Tradução: Mateus Mota
Escritura: II Coríntios 6:14-7:1; Tiago 4:1-4; e Deuteronômio 33:26-29
Considere especialmente que em todas essas passagens bíblicas a antítese está posta em relevo; e que em todo momento ela está associada à doutrina do pacto.
Durante o início dessa semana, uma das inscritas nessa conferência, que aparentemente leu o programa e viu o tópico dessa palestra, chamou minha atenção ao fato de que a palavra “antitética” era bastante peculiar. Ela me disse: “A última parte dessa palavra não vem do vocábulo usado para Deus? E a primeira parte não significa ‘contra’? Portanto, o termo ‘antitética’ não significa que a vida do cristão é uma vida contra Deus? Por que o senhor escolheu um assunto como esse?” Essa observação me trouxe memórias de muito, muito tempo atrás—acho que provavelmente no fim dos anos 40 ou início dos anos 50—quando, em uma convenção para jovens, o Rev. Herman Hoeksema disse na palestra de abertura qual seria o tema da convenção naquele ano: A Antítese. Ele disse: “Não devemos interpretar a palavra antítese no tema da convenção no sentido literal da palavra, porque ela significa ‘contra Deus’. ‘Antítese’ é um termo errado”, ele disse. Isso ficou vívido em minha mente, porque um termo errado para descrever uma parte tão importante do chamado cristão é algo desastroso.
Devo fazer uma objeção, contudo, a tais críticas do termo. É meu entendimento que a palavra antítese vem de uma palavra grega que significa “posicionar contra,” e que o fim da palavra não vem da raiz da palavra usada para Deus, mas de um verbo que significa “colocar” ou “posicionar.”
A idéia, portanto, de antítese, como o termo em si mesmo implica, é que a vida cristã, enquanto o cristão caminha por ela como membro do pacto de Deus, é posicionada contra a vida do mundo no meio do qual ele vive.
O assunto é tão vasto que terei que passar por algumas coisas bem rapidamente.
Deve ficar bem claro, logo no início, que é Deus quem cria a antítese. Ele a criou bem no início da história, após a queda. Quando Deus encontrou Adão e Eva no paraíso e disse a Satanás: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gênesis 3:15)—esse foi o anúncio da antítese. Inimizade foi criada por Deus entre o diabo e sua descendência e o descendente da mulher. Ele não estabelece essa inimizade entre o descendente da mulher e a descendência da serpente simplesmente colocando nos corações de um e do outro um ódio recíproco; Deus a cria executando a obra da salvação no coração de seu povo. Essa obra da salvação nos corações e na vida de seu povo é sua maravilhosa maneira de criar tal inimizade, porque torna o povo de Deus representante do reino de Deus e do pacto em um mundo que é hostil a Deus.
Em segundo lugar, a antítese está enraizada e não pode ser entendida à parte do decreto da soberana predestinação. Tem sua raiz na eleição e reprovação. O descendente da mulher é Cristo, e nele todos os eleitos. A descendência da serpente constitui os réprobos. Por trás da antítese está o decreto soberano de Deus, que ele executa na história.
Em terceiro lugar, essa antítese é fundamental e essencialmente realizada na cruz. Você pode imaginar a cruz, desse ponto de vista, como posta por Deus no centro da correnteza da história. Conforme ela é posta dessa forma, o todo da raça humana flui pelo Calvário e é dividido em dois grupos: os eleitos e os réprobos, que estão em inimizade um contra o outro, e cuja inimizade é criada por e expressada fundamentalmente pela obra perfeita de nosso Salvador no Calvário. Nosso Senhor anunciou antes de sua morte que, além de morrer por seu povo, com a cruz também viria o julgamento do mundo: o príncipe desse mundo seria lançado fora (João 12:31).
Finalmente, essa antítese é executada pelo Senhor exaltado. Não posso enfatizar isso o suficiente! Nas mãos do Senhor, nas mãos do Senhor exaltado, é dado controle sobre o universo—ou, colocando de forma diferente, é dada a execução completa de todo o conselho de Deus. Este dá a seu Filho a autoridade e o poder de executar seu conselho. Ele governa sobre todos. Ele não apenas governa soberanamente sobre os eleitos; ele governa soberanamente sobre todos. Nada acontece, não apenas nessa terra, mas no inferno e no céu, à parte do governo soberano de Cristo. Tal governo é um de graça, graça irresistível, conforme ele estabelece seu trono no coração de seu povo. E tal governo é um de poder soberano em relação aos réprobos conforme ele os faz servir ao propósito da salvação de sua igreja. Por que Deus ri nos céus à medida que os pagãos se enfurecem e os povos imaginam coisas vãs? Ele colocou seu Filho no santo monte de Sião! O ímpio não pode fazer nada senão servir ao propósito de Deus (Salmo 2).
Esse governo duplo de Cristo é a razão soberana por que existe antítese no meio do mundo. Coloque em sua mente, portanto, que essas grandes verdades das Escrituras se colocam como base e fundamento da antítese.
A história de como essa antítese é realizada é uma das mais empolgantes, uma das mais impressionantes e dramáticas que pode ser contada. É, na verdade, a única em toda a história que vale a pena ser contada. Quando a história finalmente for reescrita no grande Dia do Julgamento, e Deus escrevê-la como deveria ser escrita, mas nunca foi nesse mundo, e quando Deus apontar como em tudo da história ele realizou seu eterno propósito, então aquele livro de história será o único que valerá a pena ler. Ele irá preencher as almas dos que o lerem com glória e doxologias de louvor ao Deus que trabalha maravilhosamente.
A história começa no paraíso, o primeiro. Começa lá, onde Adão foi criado à imagem de Deus, como amigo-servo do pacto de Deus, e recebeu domínio sobre toda a criação terrena de Deus. Ao dar a Adão o domínio sobre toda criação terrena, Deus lhe deu a responsabilidade de guardar o jardim. Isto é, deu a incumbência de trabalhar na criação de Deus como seu representante no mundo—a fim de usar o mundo de Deus para o louvor e glória de seu nome.
Enquanto essas coisas estavam acontecendo aqui na terra, eventos dramáticos estavam acontecendo no céu. Lá Satanás conspirou contra Deus a fim de tentar de maneira desesperada desapropriá-lo de seu trono. Ele fracassou, mesmo tendo uma multidão de anjos ao seu lado que concordaram com seu propósito. O resultado foi que ele foi expulso do céu, embora sua expulsão final ainda não tenha acontecido até a ascensão do Senhor Jesus Cristo (Apocalipse 12:9). Por causa de seu fracasso no céu, ele decidiu em lugar disso fazer dessa presente criação terrena sua possessão, roubá-la de Deus, estabelecer-se no trono dessa criação terrena, e fazer dela sua possessão tão completa que toda ela serviria a seus propósitos, que eram abomináveis, diabólicos, opostos a Deus, nascidos de seu ódio contra Deus, a sua glória e o seu nome.
Mas Satanás não tinha tal acesso a esse mundo terreno, senão por meio de Adão. Então ele conspirou para tentá-lo, por meio de Eva, sua esposa, para ganhá-lo como seu aliado, pois era ele o cabeça da criação. Se Adão concordasse em cooperar com Satanás contra Deus, Adão seria o representante de Satanás no mundo e seria de tal forma manipulado que por seu intermédio Satanás poderia completar seu propósito aqui em baixo. Ele foi bem sucedido. Triste dizer, ele se saiu bem.
Porque Adão era o cabeça da criação, a sua queda significou que a maldição que lhe sobreveio também alcançou a criação de Deus. Essa era uma conseqüência necessária. Não poderia ser de outra forma. Adão era responsável pela criação. Agora, permanecendo responsável por ela, Adão passou a ser o representante de Satanás e seus propósitos na criação.
Quero lembrá-lo, embora brevemente, que a queda não foi, do ponto de vista de Deus, um erro. Deus não se assentou no céu e assistiu aos dramáticos eventos que estavam acontecendo ao pé da árvore do conhecimento do bem e do mal, esperando contra a esperança que Adão pudesse se manter em face da severidade da tentação. E quando Adão caiu, Deus não segurou com força sua mão em desespero, e chorou em razão da destruição de seu propósito original em criar o céu e a terra, de tal forma que, consultando-se novamente, decidiu que, devido à apostasia de Adão, seria forçado a adotar outro plano para alcançar a glória de seu nome.
Tal concepção da queda de Adão nunca pode fazer justiça ao propósito glorioso, soberano e eterno de Deus. Devemos partir do princípio que Deus é Deus que faz a sua boa vontade e cumpre o seu propósito infalivelmente (Efésios 1:11). Seu propósito, seu eterno conselho, era glorificar seu próprio nome, não por meio do primeiro Adão, mas por meio do segundo Adão—Cristo, do qual o primeiro Adão, segundo Paulo, era apenas um modelo (Romanos 5:12-14). A fim de realizar tal propósito, Deus, sem macular sua infinita santidade de maneira alguma, sem de alguma forma se tornar o autor do pecado de Adão, contudo controlou soberanamente os eventos de tal forma que mesmo a queda serviu à realização de seu propósito eterno. Isto é o que Deus anunciou a Adão nas palavras do evangelho. Ele imediatamente trouxe o evangelho, o evangelho de Cristo, àqueles pobres santos. O Rev. Hoeksema, tanto em sala de aula como em suas pregações, tinha o costume de dizer isso de uma forma inesquecível: “Quando Adão caiu em pecado, ele caiu nos braços de Cristo.” Deus trouxe o evangelho: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente.”
O resultado disso foi que Deus, na realização de seu propósito em Cristo, plantou a cruz no Calvário, por meio do qual poder a inimizade poderia ser criada. Na antiga dispensação a obra de Deus se projetou à frente, antecipando a vinda de Cristo e a obra que este iria realizar. Os santos da antiga dispensação entenderam—e viveram na esperança da vinda de Cristo. Satanás, igualmente, também sabia disso. Apocalipse 12 nos conta que Satanás imediatamente viu a ameaça a seu plano quando Deus anunciou o evangelho a Adão e Eva. Toda a antiga dispensação, portanto, tem essa linha mestra sendo desenvolvida: a tentativa desesperada de Satanás de evitar que o descendente da mulher nascesse. Ele ficou de boca aberta, como dragão, diante da mulher, em um esforço para devorar seu Filho (Apocalipse 12:1-4).
Foi apenas por uma maravilha da graça, por toda a antiga dispensação, que o descendente da mulher foi preservado. Pense na ímpia Atalia que, a propósito, nasceu de ímpia união, repúdio da antítese, entre Judá e Israel, devido, tristemente, à estupidez de Jeosafá, apesar dele ser um filho de Deus. Atalia matou toda a descendência real (com exceção de Joás). Pense em Hamã e sua conspiração para matar todos os judeus. Pense na repetida apostasia em Israel e em Judá que finalmente levou a nação à escravidão. Tudo é a história de Satanás tentando destruir o descendente da mulher. O Salmo 137 é emocionante: Às margens dos rios de Babilônia, nós nos assentávamos e chorávamos; e quando eles nos pediam canções, pendurávamos nossas harpas nos salgueiros – como, porém, haveríamos de entoar o canto do SENHOR em terra estranha? Acaso não falam de Cristo todas as canções de Sião? Como podemos cantar de Cristo na Babilônia? É impossível que Cristo nasça aí. Mas penduraremos as nossas harpas nos salgueiros para que ainda as usemos novamente. Lembrar-nos-emos, porque o evangelho de Deus brilha como inextinguível luz nas horas mais negras da história. E o poder do evangelho frustra todas as tentativas de Satanás de realizar seu propósito. Haveremos de retornar a Sião.
Deus toma para si, de acordo com o seu decreto eterno da eleição, um povo pactual, um povo que tomou das garras de Satanás, resgatando-o de seu poder e estabelecendo-o no meio desse mundo como sendo o seu povo do pacto. Porque eles são o seu povo do pacto, faz deles seus amigos e se torna um amigo para eles – amigo que lhes fala em termos os mais doces possíveis: “Eu o tomei de tal forma à minha comunhão que lhe darei a conhecer, meu povo, todos os propósitos de minha vontade que propus fazer até ao fim do mundo, quando todo o meu propósito se realizar.”
O Salmo 25 fala do pacto de Deus em termos de uma amizade entre Deus e o seu povo, que é tão íntima que Deus lhes fala seus segredos: “A intimidade de SENHOR é para os que o temem, aos quais ele dará a conhecer a sua aliança” (verso 14). Ele nos permite adentrar em seus segredos. Ele sussurra, por assim dizer, em nossos ouvidos de maneira que ninguém mais possa ouvir: “Vou lhes contar tudo o que tenho proposto porque faço todas as coisas por vocês. Farei tudo isso por meus eleitos—farei tudo isso na história do mundo.”
Mas ele conta os seus segredos ao seu povo do pacto, a fim de que possam representar a sua causa e a causa do seu pacto no mundo. Essa obra de Deus coloca o propósito de Satanás e o propósito de Deus, na vida de seu povo, em desacordo. O intento de Satanás é banir Deus de seu mundo, da maneira que for. Ele usará como seus aliados e ferramentas o todo do mundo ímpio. Ele usará a criação e seus poderes.
Mas há esse pequeno, quase insignificante, freqüentemente assustado grupo de santos a quem Deus confia o segredo de toda a história e os segredos do universo, incluindo até mesmo o céu. Ele lhes diz: “Agora, nesse mundo, vocês representam minha causa. E vocês fazem isso dizendo tão alto quanto puderem, para que todos ouçam, e por toda a sua vida: “Este mundo é de Deus! Não é de Satanás. Não lhes pertence. Deus reivindica-o como seu. Ele não abrirá mão daquilo que criou. É seu! E ele cumprirá o seu propósito nele, também, quando Cristo voltar novamente para redimir todas as coisas, para glorificá-las, e para dá-las aos seus eleitos como sua herança eterna”. Esse testemunho dos eleitos é a antítese.
Há especialmente duas figuras que as Escrituras usam para definir essa antítese: há mais, mas existem duas figuras em relação às quais quero brevemente chamar a sua atenção.
A primeira é a figura de uma batalha. O povo do pacto de Deus é chamado a uma batalha. Ele é alistado no exército de Deus. Eles não são voluntários de Cristo, como diz aquele miserável hino arminiano. Ele é alistado por meio de um ato de graça irresistível. Ainda assim, não são alistados contra a sua própria vontade, nem tampouco lutam contra a sua vontade. Deus, em sua obra graciosa pela qual faz deles soldados nos exércitos de Cristo, que representam a causa de Deus e de Cristo por meio da batalha, faz deles soldados alegres e dispostos. É algo maravilhoso, povo de Deus, lutar a batalha da fé. É algo maravilhoso porque os soldados da cruz estão a lutar pela única coisa pela qual vale a pena lutar. Lutar por qualquer outra coisa é lutar por algo sem valor, condenado à derrota. Mas lutar pela causa de Deus é lutar pela glória de seu nome e pela realização de seu eterno propósito. É glorioso além de qualquer comparação, porque o soldado cristão luta com a consciência de que a vitória é sempre dele. Ele está unido, pela fé, a Cristo, seu Senhor exaltado, o qual é soberano sobre todos. Cristo não é apenas o capitão de sua salvação, mas também está no campo do inimigo direcionando as operações, controlando os movimentos das tropas, tudo pelo bem de seus soldados. Nosso capitão está em controle absoluto de todas as forças do exército do inimigo. Como podemos evitar a vitória?
Agora apenas algumas palavras acerca da batalha. Temo, às vezes, que o povo de Deus se esquece que a vida aqui neste mundo presente é de fato uma batalha. Eles gostam de pensar sobre isso como que se pudesse tratar de um playground – estamos no mundo para aproveitar; estamos no mundo para conseguir tudo o que podemos conseguir da vida; entregamo-nos aos prazeres dessa criação ao extremo. É um playground, pensamos. Não, não é. É um campo de batalha. É sempre um campo de batalha. E o povo do pacto de Deus não pode se esquecer disso, porque se perderem essa visão da vida, irão falhar em representar a causa de Deus.
Em segundo lugar, essa batalha é violenta. É mais violenta do que qualquer outra já travada na história do mundo. Que importa a Deus a Segunda Guerra Mundial, quando comparada à batalha das eras? Que importa a Deus o Iraque, visto ser um pequeno item em seu conselho e plano? A batalha das eras—essa é a mais violenta batalha que jamais foi travada ou será travada até o fim. E a ferocidade da batalha é mais experimentada no campo de batalha de nossa própria carne, pois nossa carne é um aliado ávido de Satanás.
Em terceiro lugar, de todos os pontos de vista humanos possíveis, a batalha não traz esperança. A igreja é um bando de Gideão. Isaías, no capítulo 1 de sua profecia, olha para a igreja no tempo de Judá (não tão antes do tempo do cativeiro), e numa voz lastimosa descreve a igreja como uma cabana no pepinal, uma cidade sitiada, um remanescente bem pequeno. De todos os pontos de vista humanos, todas as probabilidades estão contra a igreja. Ela não tem força; ela não tem número; ela não tem poder. Ela não tem nada a seu favor. Ela é o seu pior inimigo. Não há razão por que qualquer um que observe a batalha diga: “Ela tem chance de vencer.” E às vezes o povo de Deus, sentindo o aguilhão de sua pequenez, começa a se sentir desencorajado e medroso—especialmente quando o inimigo é descoberto em seu campo, quando ele deixa a igreja em ruínas e faz com que aqueles que supostamente deveriam ser ministros do evangelho, se transformem em ministros da propaganda do inimigo.
Quando a poderosa mão do mundo alcança o povo de Deus para arrancar seus filhos do seu exército e despedaça-os contra as pedras da falsa doutrina ou perseguição, o povo de Deus suspira com grande suspiro: “Estamos com medo. O inimigo alcançou a vitória. Ele prevalecerá.”
Mas se você é daqueles que pertencem ao pacto de Deus e que representam tal pacto perante o mundo, você irá lutar. E lutará na certeza de que a vitória é sua. Quão gloriosa promessa Deus nos dá. A vitória não vem por marcharmos de batalha em batalha pela causa do evangelho e finalmente vencermos o mundo, de tal forma que o campo de batalha desse mundo se extinga com a ruína desse presente tempo, e a fé reformada triunfe aqui no meio do mundo numa era de ouro, quando o reino de Cristo estiver na terra. Isso não é triunfo; não é vitória. Mas o filho de Deus olha para a vitória na realização completa do propósito de Deus no dia de nosso Senhor Jesus Cristo. Sua aparente derrota é verdadeiramente a sua vitória, assim como na cruz onde a aparente derrota de Cristo fora a própria vitória sobre todos os poderes das trevas.
Em quarto lugar, se você ler aquela poderosa metáfora de Paulo em Efésios 6:10-17, onde ele descreve o guerreiro cristão e urge o povo de Deus: “fiquem firmes”, você irá notar, se ler cuidadosamente, que as várias partes da armadura, tanto as partes defensivas como ofensivas sem exceção, de uma forma ou de outra, se referem à Palavra de Deus. Nós não lutamos a batalha com balas. Não lutamos a batalha, como Francis Schaeffer sugere em seu Christian Manifesto (Manifesto Cristão), correndo para as montanhas, organizando guerrilhas e travando guerras contra o governo civil numa tentativa de derrubá-lo e estabelecer o Cristianismo como a lei da terra. Não lutamos dessa maneira. Lutamos com a Palavra de Deus. Essa é a nossa arma. A única arma que possuímos. Mas ela é suficiente, pois Deus se agrada de, por meio da loucura da pregação, ajuntar, defender e preservar a sua igreja e cada membro dentro dela. Apenas a Palavra. Use-a como sua arma!
Paulo quer dizer que o guerreiro cristão em meio ao campo de batalha, com o capacete da salvação, a espada do espírito, a couraça da justiça, com os pés calçados com a preparação do evangelho da paz, e com o escudo da fé, permanecerá firme. Ele não pode ser derrotado. Ele pode, ao final, estar extremamente esgotado da batalha. Sua espada pode estar quebrada e seu capacete todo torto; sangue pode jorrar de sua cabeça e das feridas de seu corpo; mas quando a batalha terminar, e ele estiver pronto para trocar a sua armadura por uma coroa de justiça e os louros da vitória, você o encontrará no meio do campo de batalha representando a causa de Deus e de sua verdade.
Estar inserido dentro do pacto de Deus é lutar. Você é chamado à batalha. É chamado a lutar contra tudo o que milita contra a verdade de Deus, e contra um mal que é contrário à santidade de Deus. Isso �� a antítese.
A segunda figura usada pela Escritura a fim de definir a antítese (e é sobre ela que desejo me concentrar até ao fim desse capítulo) é o nome que a Bíblia dá ao povo de Deus que vive a vida antitética no mundo: os nomes peregrinos e estrangeiros. Pedro endereça a sua primeira carta a peregrinos e estrangeiros.
A primeira carta de Pedro consiste em sua totalidade de instruções sobre como o filho de Deus deve viver a vida de um peregrino e estrangeiro. Gostaria de sugerir que, em suas devoções na semana que vem, vocês leiam a primeira epístola de Pedro. Leia-a pela primeira vez do princípio ao fim, não importa a distinção entre os capítulos (que são adições posteriores), apenas leia-a. E leia com isso em sua mente: “Sou um estrangeiro aqui assim como meus pais o foram. Deus me concede esse manual pelo qual devo viver como um estrangeiro no mundo. Eu o lerei a fim de aprender de meu Deus o que significa ser um peregrino e um estrangeiro.” Então, quando você a tiver lido do princípio ao fim, medite sobre seu conteúdo e aprenda o que significa viver a vida de antítese.
Havia essa figura do peregrino na antiga dispensação. Está em Hebreus 11:13-16. Abraão, Isaque, e Jacó, que foram chamados da terra de Ur dos caldeus para peregrinar pela terra de Canaã, quando esta era apropriada por outros; quando não possuíam nem mesmo o espaço de um pé; eram verdadeiramente estrangeiros em uma terra estrangeira. Essa passagem nos conta de maneira muito bela o que Deus deseja que tomemos em nossos corações, ao resumir a vida dos patriarcas; “Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra.” Porque, os que isto dizem, continua o autor do livro de Hebreus (como os patriarcas disseram ao confessar que eram peregrinos e estrangeiros na terra), se tivessem o desejo de voltar para a terra de sua origem (Ur dos Caldeus), teriam encontrado oportunidade de fazê-lo. Ser estrangeiro não era agradável. Estar em guarda contra os inimigos que os rodeavam era viver uma vida de constante perigo.
Além disso, a terra prometida era um deserto. Deus havia dito: “Eu lhe darei essa terra por promessa”. Abraão deve ter olhado ao seu redor e quase dito: “Quem nesse mundo iria querer essa terra?” Duas vezes ele teve que se ausentar do país por causa da fome. Isaque teve de sair por causa da fome. Jacó teve de sair por causa da fome. Uma terra destruída pela fome. Um lugar deserto. Deus disse: “Essa é a terra que Eu lhe darei”. Mas por uma obra maravilhosa da graça—e você a pode explicar apenas como um milagre maravilhoso entre o tempo que os patriarcas morreram e aquele em que Deus trouxe Israel para a terra de Canaã—ela se tornou uma terra que manava leite e mel. Pense você, um cacho de uva era tão pesado que era necessário dois homens para carregá-lo.
Mas Canaã não era a terra que eles estavam a procurar. Eles buscavam uma pátria melhor, isto é, uma pátria celestial. Eles se contentaram em viver naquela terra estranha como estrangeiros e peregrinos porque entendiam que ela não era a casa deles em verdade. Deus prometeu para eles e para a descendência deles aquela terra como figura de um país melhor. Então eles olhavam para uma pátria melhor, isto é, uma pátria celestial: “Por isso, Deus não se envergonha de ser chamado o seu Deus” (Hebreus 11:16).
Esta última linha—talvez não tenha nada a ver com a minha palestra, mas devo ressaltá-la por um momento. Pense! Você pode pensar em algo mais abençoado do que Deus dizer sobre mim e sobre você “Eu não me envergonho de ser chamado o seu Deus. Eu quero que todo o mundo saiba que Eu sou o seu Deus?” Nós, que somos tão ímpios, nós, que freqüentemente nos envergonhamos de Deus, nós, que nas lutas de nossas vidas para nos conformar aos caminhos do pacto de Deus falhamos tão reiteradamente, temos esta certeza: Deus não se envergonha de ser chamado o nosso Deus. Que benção! Que maravilha! O Deus dos céus e da terra, não se envergonha de nós, mas se deleita em nos chamar de seus filhos.
Seja como for, havia a figura do Antigo Testamento. Pedro a toma e diz: “Agora isso é o que vocês são no Novo Testamento.” Se você ler a epístola de Pedro, descobrirá que ele não diz: “A vida de estrangeiro e peregrino consiste em abandonar o mundo e se afastar dele tanto quanto puder, escondendo-se numa cela de monastério escura, úmida, lúgubre, onde você possa deitar num banco de pedra, e bater em si mesmo com um chicote, a fim de alcançar uma vida santa”. Pedro diz que peregrinos e estrangeiros vivem aqui mesmo no mundo. E assim deve ser, porque o seu chamado é dizer para todos ouvirem: “Este mundo pertence a Deus. Não importa o que vocês ímpios digam e façam, este mundo pertence a Deus”. Nós insistimos nisso. E se o mundo zomba dizendo: “Quem? Do que vocês estão falando? Nós temos o mundo todo para nós e iremos espremê-los até que vocês não encontrem lugar para a sola do seu pé,” o filho de Deus diz, enquanto é colocado para fora de seu último metro de solo: “Mas este mundo pertence a Deus. Ele nos colocou dentro dele. É seu propósito dá-lo a nós. E esse propósito irá ser cumprido no dia de Jesus Cristo.”
Assim, Pedro diz que andar como peregrino e estrangeiro nesse mundo significa andar de maneira santa, pois “Eu, o SENHOR, teu Deus, sou santo.” Pedro diz: “Você é um cidadão de um país aqui na terra. Submeta-se àqueles que foram constituídos autoridade sobre você. Seja o melhor cidadão de toda a terra porque você se submete, por causa de Deus, à autoridade de seus governantes.” Pedro diz que embora você seja um peregrino e estrangeiro não é para você ser (ordinariamente) celibatário. Você deve se casar e constituir família. Mas certifique-se de que em sua família você viva como cidadão do reino do céu e como membro do pacto de Deus. E ele dá instrução no capítulo 3 sobre como isso é feito.
Pedro diz: “Você precisa ter um trabalho; precisa trabalhar para poder viver. Não seja negligente nem preguiçoso. Talvez você precise trabalhar até mesmo para um descrente. Isso não faz diferença nenhuma. Mas quando você trabalhar, honre ao seu patrão e faça isso por causa de Deus. E se ele o usa de maneira maliciosa e não é honesto no pagamento, não se junte a um sindicato e diga ‘haverei de me juntar com outros e hei de pegar aquele canalha!’” Ah, não. O cristão não diz isso. Ele suporta o mal por causa de Cristo, mesmo quando seu patrão é cruel para com ele.
Finalmente, como ele vive sua vida como um peregrino e estrangeiro nesse mundo, ele terá de sofrer. Então Pedro gasta bastante tempo em sua epístola descrevendo e definindo o que o crente deve fazer em épocas de sofrimento. O caminho de um peregrino é um caminho difícil de percorrer e envolve perseguição, pois tal é a vontade de Deus para ele. Leia isso. Ele está em uma jornada rumo ao seu destino celestial, a casa de seu Pai. Ele está em uma jornada ao que John Bunyan em seu livro Pilgrim’s Progress (O Progresso do Peregrino) chama de cidade celestial. Ele não se ajusta ao mundo. Ele não se encaixa no mundo. É uma pessoa estranha, e aos olhos do mundo age de uma maneira tão peculiar que este pensa que existe algo de errado com ele.
Pedro diz: “Vocês são tão diferentes que não apenas chamam a atenção do mundo por causa de sua conduta peculiar, mas eles perguntarão a razão: ‘Por que você vive dessa forma?’” (1 Pedro 3:15). Lembro-me que minha mãe ficou no hospital um bom tempo antes de morrer. Naqueles dias, os hospitais possuíam grandes repartições—talvez dez pessoas em cada uma deles. E é claro, as outras mulheres que estavam juntas de minha mãe em sua repartição falavam de suas festas nas sextas-feiras à noite; como elas passaram o fim de semana em todo tipo de busca por prazeres, os últimos shows aos quais tinham ido, e assim por diante. Finalmente, quando a minha mãe estava quieta, elas lhe diziam: “Você nunca faz esse tipo de coisa?” “Não,” dizia minha mãe, “Eu nunca as faço. Nunca fiquei bêbada. Nunca fui a um show em toda a minha vida. Nunca fui ao cinema.” “Oh,” diziam elas, “Você nunca se diverte?” “Sim,” dizia minha mãe, “Eu tenho a vida mais feliz de todas vocês! Divirto-me muito mais do que todas vocês. É engraçado acordar sábado de manhã sentindo como se um dinamite tivesse explodido dentro da cabeça? Isso é engraçado? Nós nos alegramos no Dia do Senhor, onde ouvimos na igreja a palavra de Deus.” Elas não entendiam isso. “Por que você faz isso?” elas diziam. Bem, nós somos estrangeiros no mundo. Estamos em uma jornada. Estamos caminhando rumo ao nosso destino eterno. Eis o motivo. Deus nos deixou penetrar no grande segredo do universo. Nós cremos nele e em sua palavra. E quando todo esse mundo ímpio for destruído, haverá novos céus e nova terra que Deus dará ao povo do seu pacto em Jesus Cristo.
Um peregrino e estrangeiro nesse mundo é, portanto, alguém que reivindica esta criação para Deus usando-a, até ao limite em que é capaz, para a glória de Deus. Isso significa que ele reconhece o fato de que a criação conforme é no presente tempo constituída não é assim tão valiosa. Está debaixo de maldição. Não vale a pena ficar sendo atrasado em sua jornada. Não vale a pena ficar acumulando possessões. Um peregrino e estrangeiro não se apega às coisas do presente tempo. Ele não está interessado em uma casa maravilhosa, não em primeiro lugar. Se Deus lhe concede, isso é algo a mais, embora Deus não faça isso freqüentemente aos de seu povo. Eles são escória do mundo. Mas ele não está interessado nisso. Ele não está interessado em acumular riquezas para si. Qual é o proveito? Se ele enche sua mochila e mala com garrafas de vinho e uísque ou com barras de ouro ou prata, é quase impossível caminhar em sua jornada de peregrino com tamanha carga. E se constrói para si mesmo, no sentido espiritual da palavra, uma mansão maravilhosa e muito cara, ele se esquece que está numa jornada. É muito melhor que ele carregue uma tenda que possa empacotar de manhã e colocar em suas costas, para carregar durante o próximo quilômetro de sua jornada pela terra. Mesmo enquanto desapegado às coisas da presente era, ele diz: “Mas esse mundo é de Deus. Mas não estou muito interessado nele agora no que diz respeito a acumular coisas. Não me incomoda ter pouco dele, pois um dia Deus me dará, e a todo o seu povo, toda a criação glorificada em Cristo Jesus como minha herança eterna. Isso será glória, pois então estarei com Cristo.”
Além do mais, quando ele tem essas coisas terrenas, se interessa por elas por uma razão completamente diferente daquela do ímpio. Ele está interessado nelas por uma única razão, isto é, que por meio delas e por meio do uso delas, ele possa buscar a causa de Deus. Isso é a coisa mais importante em sua vida. Isso é o que conta. Tão logo receba algumas das possessões de Deus dessa criação e use-as para si, ele estará dizendo: “Isso é meu, para que use da maneira que me agradar.” E Deus estará dizendo: “Não, cristão peregrino, elas são minhas. E eu dou a você apenas como um mordomo, a fim de que as use para o meu serviço.”
Há uma coisa que o cristão peregrino quer muito, e isso é fugir de todas as concupiscências e pecados do mundo, temendo-os com grande temor. Ele não liga a televisão para assistir à podridão moral dos filmes. Ele não compra revistas repletas de fotos ímpias. Na verdade, se você visitasse a sua casa, sendo ela apenas uma habitação temporária, você poderá encontrar um sinal acima da porta que diz: “Nesta casa Cristo é o Rei.” E se você fosse convidado para entrar, não levaria cinco minutos para descobrir que pais e filhos da mesma forma se ajoelham em serviço ao Rei Jesus. Você pode dizer isso pelas canções que são tocadas no CD player ou no rádio. Você pode dizer isso pelos livros que enchem as suas prateleiras. Você pode dizer isso pela linguagem que a família usa dentro de casa, a qual reflete o temor de Deus que permeia toda a vida. Você dirá: “Cristo governa aqui por meio de sua graça. E nesta casa Cristo é Rei. Você não encontrará aqui as concupiscências e prazeres do mundo.” A casa de um peregrino é uma ilha de santidade em um mundo ímpio.
Estamos numa jornada. Ela é difícil. Existe uma cruz para ser carregada. A jornada é repleta de sofrimentos. O mundo nos odeia, se colocando em nosso caminho, jogando seu monte de lama e, finalmente, atacando-nos brutalmente no caminho da vida para nos afugentar do caminho que, na melhor das hipóteses, é estreito, difícil e íngreme. Mas no sofrimento há vitória, e na morte há o paraíso. Nós somos sempre vitoriosos, sempre rumando para o objetivo e sabendo que a fé é a vitória que vence o mundo.
Fonte: Keeping God’s Covenant, Herman Hanko e David J. Engelsma, pp. 80-94.
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