Augustus Toplady
A voz de quem você ouve?
“Minhas ovelhas,” diz Cristo, “ouvem a minha voz, e eu as conheço, e elas me seguem; e eu lhes dou a vida eterna, e jamais perecerão.”
Ó, digníssima Escritura! Que deveria nos compelir a ter esta lembrança fiel, e nos levar a perceber o teor da mesma, que é: as ovelhas de Cristo jamais perecerão.
“Será que Cristo se refere a uma parte de seus eleitos, ou todos? O que você acha? Eu sustento e afirmo, e também fielmente acredito, que Ele se referia a todos os seus eleitos e não a uma parte, como alguns afirmam de maneira totalmente ímpia. Eu confesso e creio firmemente, que jamais algum deles perecerá; e tenho autoridade suficiente para dizê-lo porque Cristo é o meu autor, e Ele diz que se for possível até os próprios eleitos serão enganados. Por isso (em tom jocoso), não é possível que sejam de tal forma enganados, que eles venham algum dia enfim a perecer ou serem condenados; pelo que, tantos quantos afirmam isto, que possa haver algum (isto é, algum dos eleitos) que pereça, este indivíduo com isto afirma que Cristo tem um corpo despedaçado.”1
A valiosa carta de retratação acima é registrada da seguinte forma: “Uma Carta à Congregação dos Livre-Arbitrianos, escrita por um que já foi um dia desta persuasão, porém foi dali removido, e agora é um Prisioneiro para Religião”: sobrescrição esta que irá daqui em diante, e em seu devido lugar, nos fornecer uma observação mais do que importante.
João Wesley, um Amigo de Roma?
Para ocupar o lugar do argumento, tem sido alegado que “Sr. Wesley é um homem velho” e a Igreja de Roma é ainda mais velha que ele. Será que isso é razão para que as monstruosidades, tanto da mãe como do filho, pudessem passar sem serem castigadas?
Também tem sido sugerido que o “Sr. Wesley é um homem muito trabalhador;” eu presumo que não seja mais laborioso do que um certo ser ativo, de quem se diz que vai para lá e para cá sobre a terra, e que anda para lá e para cá sobre a mesma;2 e nem ainda mais laborioso, eu imaginaria, do que certos sectários passados, a quem foi dito há muito tempo atrás: “Ai de vós escribas hipócritas; pois vós atravessais a terra e o mar para fazerdes um prosélito;”3 e nem de jeito nenhum, tão proveitosamente laborioso, como um certo membro diligente da comunidade, de cuja variedade de ocupações o povo ultimamente recebeu a seguinte informação: “A verdade, da seguinte instância de diligência pode estar condicionado a: um homem pobre com uma grande família, agora berra anunciando o “leite” toda manhã em Lothbury e na vizinhança da Royal Exchange; às onze, ele empurra um carrinho de mão cheio de batatas; às treze, ele limpa sapatos no Change; após o jantar, ele berra anunciando o leite de novo; à noite ele vende peixes; e tarde da noite termina os seus labores como vigia.”4
A Disputa é com o Lobo
Além disto, o Sr. Sellon me lembra (p.128) que, “enquanto os pastores estão discutindo, o lobo entra no aprisco das ovelhas;” não é impossível: só que acontece que a presente disputa não é entre “os pastores,” mas sim com o “lobo” propriamente dito; sendo esta “disputa” garantida por cada máxima de humildade e fidelidade pastoral.
Mais tarde me foi dito que, enquanto estou “criticando duramente os arminianos, Roma e o diabo se riem.” Admitindo que o Sr. Sellon pudesse derivar esta anedota da própria fonte, os próprios partidos ainda, já que nem eles e nem ele são muito respeitáveis pela verdade, eu interpreto a informação pelo caminho inverso, apesar de autenticada pela deposição de seu confiável (em sentido jocoso) e amado primo e conselheiro.
Mais uma vez: Eu sou acusado com “excessiva arrogância, e soberano orgulho;” e, por que não, acusado de ter sete cabeças e dez chifres, e um rabo tão comprido quanto corda de sino? No final das contas, o que tem meu orgulho, ou minha humildade a ver com a presente questão? Se eu sou arrogante ou humilde, isso não tem maiores conseqüências nesta questão e nem para o público, assim como não teria se eu fosse alto ou baixo; no entanto, eu estou neste exato momento, dando uma prova de que meu “soberano orgulho” pode humilhar-se; isto até para ventilar as impertinências do Sr. Sellon.
Arminianismo em Casa: Roma
Mas, apesar de frívolos os seus ardis, os princípios a favor dos quais ele contende são da mais perniciosa natureza e tendência. Eu tenho que repetir, o que parece já tê-lo ofendido tanto, que o arminianismo “veio de Roma, e o leva para lá novamente.” Juliano, bispo de Eclana, um contemporâneo e discípulo de Pelágio, foi um dos que tentou com muita arte, tornar atraentes as doutrinas daquele herege, a fim de torná-las mais vistosas e palatáveis. O sistema pelagiano deste modo ficou brilhoso e foi extenuado, e logo adquiriu o nome de semi-pelagianismo. Deixe-nos dar uma olhada nisto de uma descrição vinda das próprias mãos do celebrado Sr. Bower, ele mesmo um professo pelagiano, e portanto menos provável a nos apresentar um retrato desfavorável do sistema que ele em geral aprovava. Entre os princípios desta seita, este estudado escritor enumera os seguintes:
“A noção de eleição e reprovação, independente dos nossos méritos ou deméritos, é manter uma necessidade fatal, é a proibição de toda virtude, e serve apenas para bons homens remissos no desenvolvimento de sua salvação, e para levar pecadores ao desespero.”
“Os decretos de eleição e reprovação são posteriores a, e em conseqüência de, nossas boas ou más obras, tendo estas sido previstas por Deus desde toda eternidade.”5
Não é isto a exata linguagem do arminianismo moderno? Os partidários deste esquema não argumentam nos mesmos e idênticos termos? Deveria-se dizer: “É verdade, isso prova que o arminianismo é o pelagianismo revivificado; só que não prova que as doutrinas do arminianismo são papais em sua origem”. Uma atenção por um momento deixará claro que elas são. Deixe-nos ouvir novamente o Sr. Bower, o qual, logo após a passagem recém citada, imediatamente acrescenta: “nestas duas últimas proposições, os jesuítas encontraram todo o seu sistema da graça e livre-arbítrio; concordando neste sistema com os semi-pelagianos, contra os jansenitas6 e Santo Agostinho.”7 Os jesuítas eram moldados num corpo regular, em direção ao meio do século dezesseis, e, em direção ao final do mesmo século, Arminius começou a infestar as igrejas protestantes. Portanto, não é necessária grande penetração, para discernir de qual fonte ele retirou o seu veneno. A sua viagem para Roma (apesar do Sr. Bayle gostar de fazer luz às inferências que eram naquele exato tempo deduzidas disto) não foi em vão. Se, no entanto, qualquer um estiver disposto a crer que Arminius embebeu suas doutrinas dos socinianos8 na Polônia, com os quais certamente ele tinha íntima amizade, eu não tenho objeções em separar a diferença: ele poderia importar alguns dos seus dogmas dos irmãos racovianos, e ainda assim estar endividado, para outros, para com os discípulos de Loyola.
Papistas e Predestinação
É certo que o próprio Arminius era consciente de quão enormemente a doutrina da predestinação alarga a distância entre protestantismo e o papado. “Não há ponto de doutrinas (diz ele) que os papistas, anabatistas, e os (novos) luteranos mais ardentemente se opõem, e nem por meio do qual tenho que repetir, o que eles amontoam mais descrédito às igrejas reformadas, e odeiam mais o sistema reformado; pois eles, isto é, os papistas e etc., asseveram que não se pode pensar ou proferir blasfêmia mais infamante contra Deus do que a que está contida na doutrina da predestinação.”9 E por tal razão ele adverte o mundo reformado para descartar a predestinação do seu credo, para que possam viver em termos mais fraternais com os papistas, anabatistas e outros assim.
Os escritores arminianos não têm escrúpulos em aceitar e vender os argumentos dos outros como se fossem propriedade comum. Por esta razão, Samuel Hoord copia de Van Harmin exatamente a mesma observação que eu acabei de citar. “Predestinação—diz Samuel—é uma opinião que os papistas odeiam, que abre suas bocas infamantes contra nossa igreja e religião”.10 Conseqüentemente, a nossa adoção das doutrinas opostas da graça universal e do livre-arbítrio, nos levaria a calar suas bocas ao nos trazer tantos graus para mais perto dos papistas, e os faria ver-nos—pelo menos até esse ponto—como seus próprios irmãos ortodoxos e amados; disto segue que, como o arminianismo veio de Roma, assim também “ele conduz para lá novamente.”
Os Jesuítas e a Predestinação
Se o veredicto da união do próprio Arminius e de seu prosélito inglês, Hoord, não equilibrará o peso, deixe-nos acrescentar o testemunho de um jesuíta professo, como meio de fechar o peso completo. Quando os papéis do arcebispo Laud11 foram examinados, entre eles foi achada uma carta, deste modo endossada pelas mãos do próprio prelado: “Março de 1628. A carta de um jesuíta enviada ao reitor em Bruxelas, a respeito do sucedido Parlamento.” O design desta carta era para prestar, ao superior dos jesuítas então residente em Bruxelas, contas da posição dos negócios civis e eclesiásticos na Inglaterra; eu acrescentarei um extrato da mesma a seguir: “Pai Reitor, não deixe que o desânimo da surpresa se abata sobre sua alma zelosa e ardente, ao apreender o súbito e inesperado chamado do Parlamento. Nós temos agora muitas cordas para o nosso arco. Nós plantamos aquela medicação soberana “arminianismo,” a qual esperamos irá purgar os protestantes da sua heresia; e ela floresce e carrega frutos na estação própria. Para melhor prevenção dos puritanos, os arminianos já fecharam os ouvidos do Duque (de Buckingham); e nós temos os de nossa própria religião, que estão continuamente na sala de assembléia/aposento do Duque, para ver quem entra e sai. Nós não podemos ser mais cautelosos e cuidadosos nesse sentido. Eu estou, neste momento, tomado de alegria para ver quão alegremente todos os instrumentos e meios, tanto grandes como menores, cooperam com nossos propósitos. Mas, para voltar a nossa estrutura principal: NOSSO FUNDAMENTO E O ARMINIANISMO. Os arminianos e projetores, como aparece nas premissas, produzem um efeito na mudança. Isto nós apoiamos e reforçamos por argumentos verossímeis.”12
A Soberana Droga (medicação) “Arminianismo”
A “soberana droga, arminianismo,” como disse o jesuíta, “nós (isto é, nós papistas) plantamos” na Inglaterra e de fato tinha probabilidade de dar certo “para purgar nossa Igreja Protestante efetivamente.” Quão alegremente o papado e o arminianismo, naquele tempo, dançaram de mãos dadas, pode-se aprender de Tindal: “As igrejas eram adornadas com pinturas, imagens, peças de altar e etc.; e, ao invés de mesas de comunhão, eram construídos altares, e acrescidos a estes havia o dobrar dos joelhos e elementos sacramentais. As doutrinas de predestinação foram proibidas não apenas de serem pregadas, mas também de serem impressas; e o sentido arminiano dos artigos era encorajado e propagado.”13 O jesuíta, por isso, não exultava sem razão. A “soberana droga,” tão tardiamente “plantada”, realmente lançou raízes profundas, e deu muitos frutos, sob os cuidadosos auspícios de Charles e Laud. Heylyn também reconhece que o estado das coisas foi verdadeiramente descrito por um outro jesuíta daquela época, que escreveu: “O protestantismo está se fatigando de si mesmo. A doutrina (dos arminianos, que então estavam sobre o topo da organização) está alterada em muitas coisas, pelas quais os seus progenitores abandonaram a Igreja de Roma: como purgatório; oração pelos mortos, e possibilidade de cumprir os mandamentos de Deus; e a avaliação do calvinismo no mínimo ser heresia, se não traição.”14
Arminianismo do Inferno
A sustentação destas posições, pelos teólogos da Corte, foi de fato uma “alteração,” que o abandonado Heylyn considerava serem decorrentes da “ingenuidade e moderação encontrada em alguns professores de nossa religião.” Se nós sumariarmos a evidência que foi dada, nós constataremos que seu valor é, que o arminianismo veio da Igreja de Roma e conduz exatamente em direção à cova de onde havia sido escavado.
1Strype, u.s.
2Jó 1:7 e 1Pedro 5:8. 3Mateus 23:15. 4Bath Chronicle, 6 de Fevereiro, 1772. 5História dos Bispos de Bower, vol. 1, p. 350. 6Seguidores de Jasen, teólogo católico do século XVI e XVII, mas que defendeu as posições de Agostinho achando que a graça predestinadora eficaz estava sendo ameaçada pela tendência humanista dos teólogos jesuítas da Contra-Reforma; foi fortemente antipelagiano (Nota do editor). 7Bower, ibid. 8Seguidores de Fausto Socino [1539-1604], teólogo anti-trinitarista, que negava a divindade de Cristo, tornando-se Deus apenas depois da Sua ressurreição quando o Pai a Ele delegou parte de seus poderes divinos; além disso, não cria que a morte de Crista trouxe o perdão dos pecados, porque Deus podia perdoar pecados sem que houvesse necessidade de uma expiação por meio de Cristo; negava o pecado original, a predestinação e a ressurreição do corpo; suas idéias lançaram a base para o movimento unitarista posterior (Nota do editor). 9Arminius, in Oper. P115.Ludg. 1629 (Veja livro em Latim). 10Hoord In Bishop Davenant’s Animadversions Camb. 1641. 11Arcebispo que perseguiu violentamente os puritanos (Nota do editor). 12Hidden works of darkness, p. 89, 90. Edit. 1645. 13Tindal’s Contin of Rapin, vol. 3 octavo, 1758. 14Life of Laud, p. 238.
Sobre o autor: Augustus Toplady foi um grande hinologista e escritor inglês que combateu as posições arminianas e perfeccionistas de John Wesley.
Fonte: Arminianism, the Road to Rome!
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