Rev. Herman Hoeksema
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus.” (Efésios 2:8)
Somos salvos pela graça e através da fé. Não existe outro caminho além daquele da fé em Jesus Cristo, o Cristo das Escrituras, que nos libertou das nossas transgressões e ressuscitou para a nossa justificação.
Esse é o claro testemunho de toda a Escritura. Pois “como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado; para que todo aquele que nele crê tenha a vida eterna. Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:14-16). “Quem crê nele não é julgado; mas quem não crê, já está julgado; porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus” (João 3:18). E novamente: “Quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, porém, desobedece ao Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus” (João 3:36). Quando os judeus inquiriram do Salvador que obras eles deveriam fazer para obter o pão que nunca perece, o Senhor respondeu: “A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou” (João 6:29). E para Marta, a irmã de Lázaro, o Senhor dirigiu as maravilhosas palavras: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo aquele que vive, e crê em mim, jamais morrerá. Crês isto?” (João 11:25-26). Por conseguinte, quando o reino de Deus estava próximo, veio a convocação: “Arrependei-vos, e crede no evangelho” (Marcos 1:15). E os apóstolos saíram por todo o mundo com a mensagem: “Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa” (Atos 16:31). Paulo disse: “Não me envergonho do evangelho, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego” (Romanos 1:16) E “se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será salvo” (Romanos 10:9). O único caminho para a salvação, de acordo com as Escrituras, é a fé no Senhor Jesus Cristo, crucificado e ressurreto dentre os mortos.
Uma questão importante, portanto, é essa: o que é essa fé no Senhor Jesus Cristo, e o que significa crer nele?
Ela é um poder natural, algo que todo homem possui e que pode usá-lo ou refutar empregá-lo? Na verdade, existe uma certa fé natural, que não é para a salvação. Ela é um mero assentimento intelectual à verdade. Todo homem, mesmo o ateísta mais pronunciado e profano, crê no mais profundo do seu coração que Deus existe; os demônios também crêem, e tremem. E assim, alguém pode crer nos fatos do evangelho, sem sequer se preocupar com eles. Eu posso crer que o Filho de Deus veio em carne sem conhecê-lo como a luz do mundo e da minha alma. Eu posso assentir à verdade da sua crucificação sem correr para essa cruz a fim de receber minha redenção pessoal e lavar minhas vestimentas em seu sangue. E dessa forma, uma pessoa pode crer que os fatos da revelação são verdadeiros, sem ter qualquer parte espiritual neles. Semelhante fé não tem nenhum poder. Ela é uma fé da cabeça, e não do coração. Ou antes, é uma fé do homem natural, não do filho regenerado de Deus. É vazia, não produzindo nenhum fruto. Tal fé natural não se revela em tristeza e arrependimento verdadeiro segundo Deus (II Co. 7:10), e não é o poder de uma nova vida.
Mas a fé verdadeira, através da qual somos salvos, é diferente.
Notemos antes de tudo que ela é uma fé em Jesus Cristo. Isso significa que ela é fé em Deus através de Cristo, ou fé em Deus como ele se revelou em nosso Senhor Jesus Cristo como o Deus da nossa salvação. Cristo é a revelação de Deus. Nele Deus se fez conhecido a nós como JEOVÁ-SALVAÇÃO. O centro dessa revelação, o ponto focal dessa gloriosa luz da salvação que brilha da face de Deus, é a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos. Observe que o apóstolo escreve em Romanos 10:9 que aquele que se “em seu coração crê que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será salvo.” Na criação Deus se revela como o Senhor Onipotente, que chama todas as coisas que não são como se fossem; na ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, ele se faz conhecido como Jeová-Salvação, que nos vivificou da morte. Por conseguinte, no capítulo quinze de I Coríntios, o apóstolo enfatiza que se Cristo não tivesse ressuscitado, nossa fé seria vã, e ainda estaríamos em nossos pecados. A ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos é a preciosa pedra de esquina da nossa salvação.
Sem dúvida, a ressurreição não deve ser concebida como um ato isolado, mas como um elemento inseparável de toda a revelação de Deus em Cristo. Aquele que crê que Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos também crê que Cristo é o Filho unigênito de Deus, enviado pelo Pai ao mundo, Deus conosco, Emanuel. Crer que ele ressuscitou dentre os mortos pelo Pai implica a fé de que Deus lançou nossas iniqüidades sobre ele, e que ele carregou-as como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, de forma que “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões” (II Co. 5:19). Isso implica que a morte de Cristo sobre o madeiro maldito foi vicária, substitutiva, que ele morreu no lugar e em favor de todos a quem o Pai lhe tinha dado; e que essa morte foi expiatória, satisfazendo completamente todos os nossos pecados, de forma que a culpa dos nossos pecados foi apagada, e fomos vestidos com uma justiça eterna diante de Deus em Cristo. Deus nunca teria ressuscitado Cristo dentre os mortos se ele não tivesse satisfeito completamente os nossos pecados, visto que estava carregando todas as nossas iniqüidades. E esse Cristo, que nos livrou das nossas transgressões, e ressuscitou para a nossa justificação, foi exaltado nas alturas, e assentou à destra de Deus, vestido com poder e majestade. A ele foi dada a promessa do Espírito Santo, por cujo poder todos por quem Cristo morreu podem ser agora atraídos a ele e obter justiça e vida eterna. Esse Jesus Cristo, o Filho de Deus na carne, crucificado e ressuscitado, exaltado à destra de Deus como o Senhor da glória, é a revelação de Deus da nossa salvação. E a fé que salva é a fé em Deus através dele. Aquele que crê que Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos será salvo!
Em segundo lugar, devemos observar que essa fé salvadora é fé no ou em Jesus Cristo como a revelação de Deus da nossa salvação. Isso é freqüentemente enfatizado na Escritura. Lemos algumas vezes de crer sobre Jesus, e então a idéia de fé como confiança parece ter a ênfase. Mas o verdadeiro caráter da fé salvífica é expresso na frase: fé em Cristo. Aquele que tem a verdadeira fé crê em Cristo.
O que isso significa?
Significa que fé é aquele poder espiritual totalmente misterioso e maravilhoso pelo qual a alma afunda suas raízes em Cristo, se apega a ele, se apropria dele, e deriva dele todas as bênçãos gloriosas da salvação que estão nele–o perdão dos pecados, a justiça e a vida eterna. A diferença entre um crente e um incrédulo não é diferente daquela entre uma jovem árvore viva e um pedaço de pau morto. Você pode plantar esse pau morto fundo no chão, mas não espere que ele mostrará sinais de vida e desenvolverá ramos e frutos. Pelo contrário, ele apodrecerá no chão em que foi plantado. Mas plante uma muda jovem no mesmo solo, e ela lançará suas raízes no chão, extrairá alimento dele, crescerá e produzirá fruto. O mesmo é verdade de uma fé viva e salvífica em relação a Cristo. Coloque o pecador incrédulo e morto em contato com Cristo como ele é revelado nas Sagradas Escrituras, e não haverá nenhuma reação salvífica. Pelo contrário, há uma reação de incredulidade para condenação. Mas se o crente é levado a Cristo através da pregação da Palavra, ele se agarrará a Cisto, se apegará a ele, lançará as raízes de toda a sua alma nele, e obterá dele todo o alimento espiritual necessário para a vida eterna. O que as raízes são para a árvore jovem, a fé salvífica é para o crente em Cristo: pela fé o crente está enraizado em Cristo. E visto que Cristo é nos revelado nas Escrituras, a verdadeira fé sempre se volta a elas, tem seu deleite na Palavra de Deus, é chamada à atividade através da Palavra pregada, e constantemente cresce à medida que cresce no conhecimento e entendimento de tudo o que Deus nos revelou em sua Palavra.
A atividade de uma fé verdadeira e consciente, portanto, engaja toda a alma, com mente, vontade, e todos os nossos desejos e inclinações. Através da fé a alma toma se apega a Cristo.
Por conseguinte, a fé é em primeiro lugar um conhecimento espiritual verdadeiro de Cristo como a revelação do Deus da nossa salvação. Esse conhecimento da fé não deve ser confundido com um mero conhecimento natural sobre Cristo, semelhante àquele que qualquer um pode adquirir lendo a Bíblia ou se aplicando à dogmática. Esse conhecimento sobre Cristo é indispensável, mas ele mesmo não é o conhecimento de uma fé salvífica. A última é espiritual, experimental. Um cientista, cujo estômago está cheio de câncer, pode ser capaz de lhe falar sobre todos os ingredientes e o valor nutritivo de um jantar brilhante que você preparou diante dele; mas a comida lhe causa náusea, e ele não pode participar dela. O operário sem instrução, retornando de um dia de trabalho, pode não saber nada sobre calorias e vitaminas; mas ele se senta à mesa e se delicia com a comida que você preparou. Assim, o incrédulo pode saber tudo sobre Cristo. Ele pode até mesmo ser um teólogo científico, capaz de instruir outros no conhecimento da salvação. Mas seu conhecimento é puramente intelectual, natural e teórico. Ele não conhece a Cristo espiritualmente. Ele não tem seu deleite nele, não participa dele, nem come e bebe dele. Mas o crente verdadeiro, mesmo que seja bem menos equipado com conhecimento teológico, conhece a Cristo espiritualmente. Ele não conhece meramente que ele mesmo é um pecador; mas tem um conhecimento espiritual do seu pecado, está cheio de verdadeira tristeza segundo Deus, arrepende-se e clama: “Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!” (Lucas 18:13). Ele conhece o Senhor Jesus Cristo, não meramente no sentido que conhece tudo sobre ele, mas como a plenitude do seu próprio vazio, como a justiça de sua própria injustiça, como a luz de suas próprias trevas, como a vida de sua própria morte, como o pão da vida para saciar sua fome, como a água da vida para saciar sua sede, como o caminho, a verdade e a vida, pela o qual ele anseia chegar ao Pai. Ele o reconhece como seu próprio Salvador e Redentor, anseia por ele, come e bebe dele para justiça e vida. O crente conhece a Cristo com o conhecimento de amor e deleite!
E assim, a fé verdadeira é também uma confiança certa e de todo coração, uma crença sobre Cristo, um confiar nele na vida e na morte, para o tempo e para a eternidade. Se acredito e confio em alguém completamente, eu me entrego completa e incondicionalmente a ele, assegurado de seu amor e boa vontade para comigo, e de sua capacidade e sabedoria para buscar meu bem. Se devo viajar por um país estranho e montanhoso, onde não conheço o caminho, e o perigo de ravinas ocultas espreita de todos os lados, eu contrato um guia, me entrego inteiramente a ele, confiando em sua boa vontade e habilidade para me guiar a salvo. Mas se suspeito de suas boas intenções para comigo, ou duvido de seu conhecimento do caminho correto, não confiarei nele nem seguirei para onde ele leva. Assim, a fé salvífica é uma confiança de todo o coração. Sua base é a certeza de que Deus está cheio de amor eterno e imutável para comigo, um pecador, e que ele é capaz de me salvar até o final. Estou certo disso porque ele revelou seu amor na cruz de Jesus Cristo, meu Senhor, como um amor que estava disposto a ir ao mais profundo abismo da morte e do inferno por mim, mesmo quando eu ainda era um inimigo de Deus. E ele manifestou seu poder gloriosamente para salvar na ressurreição de Cristo dentre os mortos. É nesse Deus da minha salvação que confio. Em Deus por meio de Cristo eu me apoio, na vida e na morte, agora e no dia do juízo, plenamente certo de que todos os meus pecados estão perdoados, e que ele me dá justiça e vida eterna por causa do seu Filho Jesus Cristo. Esse conhecimento espiritual de amor e deleite, essa entrega incondicional e de todo o coração, e essa confiança sobre o Deus da nossa salvação em Cristo é a atividade da fé salvífica. Aquele que crê será salvo, terá a vida eterna. Mas por quê? Qual é a relação entre salvação e fé?
Eis uma impressão que é freqüentemente deixada por pregadores que apresentam a questão da fé como algo que depende da própria vontade e escolha do pecador: que a fé é uma condição para a salvação. Deus está disposto a nos salvar sobre a condição que creiamos. Mas não existem condições para a salvação. Não somos salvos sobre a condição da fé, ou sobre o fundamento, ou por causa da nossa fé. O único fundamento para a nossa salvação é Jesus, crucificado e ressurreto. Nem somos salvos através da fé pelo fato da fé ser considerada como uma boa obra, ou porque através da fé somos capazes de fazer boas obras e obter justiça diante de Deus. Pois somos salvos pela graça; “mas se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça. Se, porém, é pelas obras, já não é mais graça; de outra maneira a obra já não é obra” (Romanos 11:6). Não pode nem mesmo ser dito que a fé é a mão pela qual pegamos a salvação que nos é oferecida. A salvação não é uma oferta, mas uma obra maravilhosa de Deus; e o pecador não tem nenhuma mão para aceitá-la. Mas a fé é o meio, e esse, também, é um meio de Deus, pelo qual somos implantados em Cristo. É o poder espiritual pelo qual nos apegamos ao Deus da nossa salvação em Jesus Cristo nosso Senhor, nossa justiça e perfeita redenção para sempre! Pela graça somos salvos, não sobre a condição da, nem por causa da, mas através da fé, e essa não vem de nós mesmos, pois é dom de Deus.
Sim, a fé é pela graça. Ela é o dom de Deus! Isso, também, deveria ser perfeitamente evidente a partir de tudo o que tem sido dito sobre a sua natureza e atividade; mas não é supérfluo acentuar essa verdade. Quão freqüentemente essa verdade é distorcida em nossos dias! Quantos existem que, embora não preguem literalmente que a fé é obra do homem, deixam a impressão pela forma de pregação, seus apelos e implorações, que está no poder de todo o pecador crer em Cristo sempre que desejar, e rejeitá-lo como lhe aprouver! Ó, essa questão é muito simples e fácil, dizem eles. Apenas diga que você aceita Jesus como seu Salvador pessoal, e a coisa estará realizada! E assim, eles transformam o milagre de Deus num capricho arbitrário da vontade do pecador. Mas não é assim. “Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia” (Romanos 9:16). Somente quando o Espírito Santo realiza o milagre da fé no coração, o pecador pode aceitar a Cristo. E aquele em quem o Espírito opera a obra maravilhosa da fé não pode e jamais rejeitará a Cristo. E através da fé ele está seguramente salvo. Salvo ele está agora: pois aquele que crê no Filho tem vida eterna. E salvo ele será no dia da revelação de Jesus Cristo: pois será então feito semelhante a ele na glória da ressurreição.
Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus.
Fonte: The Wonder of Grace, Herman Hoeksema, Reformed Free Publishing Association, chapter 7, pp. 57-63.
Capítulo 1 da As Maravilhas da Graça
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