Herman Hoeksema
Romanos 4:6-8: “Assim, também, David declara bem aventurado o homem a quem Deus imputa a justiça, sem as obras dizendo: Bem-aventurados aqueles cujas maldades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos; Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o pecado.”
Nestas palavras temos a segunda prova de uma declaração do Apóstolo na última parte do capítulo anterior. Esta afirmação é que a doutrina da justificação pela fé, sem as obras, não anula a lei. A lei em Romanos 3:31 refere-se a toda a revelação do Antigo Testamento. Portanto, o apóstolo quer dizer que a doutrina da justificação pela fé não é uma nova doutrina.
A primeira prova para esta afirmação, o apóstolo tirou do livro de Génesis. Abraão não foi justificado pelas obras, mas pela fé. Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado por justiça.
A segunda prova é retirada dos Salmos. No Salmo 32:1-2 David pronuncia a bem-aventurança do homem cuja iniquidade é perdoada e cujo pecado é coberto, o homem a quem o Senhor não imputa o pecado.
A coisa a ser demonstrada é que há uma justiça que é sem as obras, que é livre, que é de graça. É preciso demonstrar que tal justiça também é ensinada no Antigo Testamento. Para provar a sua afirmação, o apóstolo refere-se a David. O argumento é que se quisermos ser justos por obras, não pode haver perdão dos pecados. Se um homem é para ser justo por obras, as obras devem ser imputadas. Se as obras estão a ser imputadas, o pecado também deve ser imputado. Mas então, não há perdão dos pecados. No Salmo 32, no entanto, o poeta fala de bem-aventurado o homem cujos pecados são perdoados, a quem o Senhor imputa justiça sem as obras.
Uma Graça Maravilhosa
Antes de mais nada, o pensamento expresso no texto de Romanos, pela forma dele, é que a bem-aventurança do perdão dos pecados é uma maravilha da graça. A Escritura usa muitas palavras para o pecado, porque há muitos aspectos do pecado. Pecado está relacionado com todo o nosso ser. Ele afecta a nossa relação com Deus, com o mundo, e com os outros. Há muitos aspectos do pecado, tantos quantas relações há. Portanto, a Escritura fala de transgressão, ofensas, iniquidade, culpa, etc. Na passagem, temos dois aspectos. O primeiro é apresentado pela palavra iniquidade. Iniquidade significa, literalmente, “negação da lei”. A outra palavra, traduzida pecado, literalmente significa “errar o alvo”.
Iniquidade olha para o pecado, do ponto de vista da sua relação com a lei. A lei é a esfera que Deus ordenou para a vida do homem. A iniquidade caracteriza o pecador como alguém que nega a lei. Ele nega a lei de duas maneiras. Ele diz não para a lei com a sua mente, e ele balança a cabeça para a lei. Ele nega que a lei é boa, e ele diz não a ela. Não só, ele nega a lei, em sentido teórico, mas também sacode a cabeça contra a lei e diz: “Eu quero”. Isso é iniquidade. O pecador é sem lei. Quando ele traz essa ilegalidade à prática, ele comete a iniquidade.
O outro aspecto da palavra “pecado” olha o pecado do ponto de vista do propósito de Deus para nós. Este propósito é a glória de Deus. Deus quer que este seja o nosso propósito: com tudo que somos e temos, reconheçamos a glória de Deus. O pecado, como caracterizado na passagem, olha para a corrupção do ponto de vista de que o homem falha este propósito. Isto não é acidental, mas intencional. O homem perde este propósito, porque ele visa o oposto. Ele visa a si mesmo, a sua própria glória. Deste ponto de vista, o pecado é um ataque contra a glória de Deus.
Temos de perceber isso, a fim de compreender o que significa quando o poeta David diz: “Bem-aventurado o homem cujas iniquidades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos, a quem o Senhor não imputa o pecado” [Sl. 32:1-2]. Observe que temos ali duas descrições de perdão. Há realmente três palavras usadas, mas uma delas eu chamarei a vossa atenção mais tarde. Temos duas descrições aqui. A primeira é perdão. A outra é não imputar [pecado].
O significado literal de perdoar é “dispensar”. “Dispensar de quê?” nós perguntamos. Evidentemente, isso significa dispensar do único registo que existe, isto é, da mente de Deus. Isto é perdoar. Costumamos dizer: “Eu posso perdoar, mas não posso esquecer.” Isso é possível. Mas, se esse não esquecer é que você não pode tirá-lo da sua mente como uma ofensa, então você não tem perdoado. Quando Deus perdoa, de acordo com este significado da palavra no texto, Ele tira os nossos pecados de sua mente como pecados. Deus não esquece o facto do pecado, mas Ele dispensa-o de sua mente como pecado. Em vez de ter um sentimento de ira contra o pecador, Ele é cheio de favor para ele.
Como resultado deste perdão, Deus não imputa esse pecado ao pecador. Não imputar descreve o perdão do ponto de vista da culpa. O pecado nos leva a estar aquém de nossa obrigação. Nossa obrigação é amar a Deus com todo nosso coração, mente e força. Devemos amá-Lo todo o tempo. Nunca podemos falhar. Sempre que pecamos, isto é, sempre que dizemos não a esta obrigação, nós caímos, e é contado contra nós. Quando isso acontece, a nossa obrigação de amar a Deus é transformada para uma obrigação de sofrer. O pecador tem de ser punido.
O poeta diz, e Paulo cita-o dizendo que Deus não considera essa obrigação. Ele nos dá uma folha limpa, de modo que não há pecado contra nós. Deus não imputa ou conta pecado contra nós.
Isto é uma maravilha!
É uma maravilha, se você olhar para ele, do ponto de vista de Deus. Deus, que é santo e justo e que não pode permitir que Sua justiça seja espezinhada, não considera o pecado contra o pecador. Deus, que não muda, coloca fora de sua mente todos os nossos pecados, as nossas iniquidades, a nossa corrupção.
É uma maravilha! É uma maravilha do ponto de vista da lei, porque a lei não é apenas um código exterior; é a expressão viva da vontade de Deus. É um poder vivo para condenar, punir todos aqueles que não mantêm seus preceitos, como a lei do fogo é queimar você. Não seria uma maravilha se você colocasse a mão no fogo, e não queimasse? Esta é a maravilha do perdão. Você coloca sua mão no fogo, e não o queima. Você atropela a lei com os seus pés, e ela não o pune.
É uma maravilha também do ponto de vista do pecador. Porque é um assunto perigoso perdoar o criminoso. É um negócio perigoso perdoar o criminoso, não só por seus pecados passados, mas também para todos os pecados que ele irá cometer no futuro. Imagine se o Supremo Tribunal fizesse isso! Mas a maravilha da graça é que, antes de termos deixado o pecado, os nossos pecados são perdoados. Assim diz o poeta no Salmo 32.
Uma Grandiosa Bênção
Oh, bem-aventurado o homem cujas maldades são perdoadas, a quem Deus não imputa o pecado!
Ele é abençoado porque o perdão dos pecados é a maior das bênçãos. É a bênção chave de todas as bênçãos. Se não há perdão, não há bênção para ninguém. A razão é simplesmente porque Deus é justo. Deus não pode abençoar os injustos. Isso é impossível. Deus não pode nem por um instante olhar os injustos em Sua mente com a finalidade de abençoá-los. Se quisermos ser abençoados por Deus, devemos ter uma folha limpa, porque Deus é Deus, e Ele é justo.
A bênção objectiva do perdão, portanto, explicita a diferença entre a ira eterna de Deus e Sua Eterna boa vontade. É a diferença entre Inferno e Céu. Sem o perdão, a porta do Inferno é inevitavelmente aberta. Sem o perdão, as portas do céu são inevitavelmente fechadas. O perdão é a chave que fecha a porta da maldição eterna. O perdão abre a porta para o céu, a eterna glória e comunhão com Deus.
É de se admirar que o poeta exclame: “Oh, bem-aventurado o homem cujas maldades são perdoadas, cujos pecados são cobertos, a quem Deus não imputa o pecado”?
O perdão é a bênção. A passagem fala da bem-aventurança. Ela olha para o perdão do ponto de vista de nossa própria experiência pessoal consciente dela. Temos consciência do perdão dos pecados quando Deus nos dá a fé. Quando pela fé nos tornamos conscientes do perdão dos pecados, de modo que nos apropriamos da bem-aventurança do perdão, o resultado é a alegria. Esta bênção causa a bem-aventurança da paz, que não temos, sem o perdão. Os ímpios não têm paz. Não há paz com Deus, sem perdão. Mas se Deus infundir a fé em nosso coração, para que nos apropriemos da bem-aventurança do perdão, temos paz. Temos paz com Deus e com todas as coisas.
Com base na consciência do perdão dos pecados, temos comunhão com Deus. Podemos, por vezes, fora do costume, ir a Deus sem a consciência do perdão dos pecados. Mas não há comunhão com Deus a menos que haja consciência do perdão dos pecados. Não há comunhão com Deus a menos que haja a abençoada consciência de que, sem medo, nós ficaremos firmes no julgamento.
Oh a bem-aventurança dessa fé, que Deus perdoa os nossos pecados e que nós ficaremos sem medo no juízo!
Um Solo Firme
Mas você diz: “Como é isto possível? Deus pode perdoar pecados? Ele pode contar o que não é? Ele pode deixar de imputar o que deve ser imputado? Ele pode tirar o nome do pecador do seu livro de juízo? Será que ele muda de ideia quando Ele perdoa pecados? “
Isso é impossível. Ele não pode deixar de imputar o que deve ser imputado. Ele não pode mudar Sua mente. Portanto, o texto tem o cuidado de acrescentar cujos pecados são cobertos. Esta é a razão do perdão.
Não entenda isto mal. O significado, não é que haja algo que cobre os nossos pecados ao ponto que Deus não os vê. Não é o caso de que eles realmente estão lá mas Deus não os vê porque eles estão encobertos. Coberto nem mesmo significa que os pecados de alguém estão escondidos sob Cristo, como se costuma dizer. O facto é que Deus olha através de Cristo.
Coberto refere-se, tanto quanto diz respeito à palavra em causa, para a cobertura da arca da aliança. Os nossos pecados são cobertos no sentido de que o seguro cobre os danos. Você não tem nada com que pagar os prejuízos, mas há algo a cobrir, para pagar, os danos. Há uma agência de seguros. É a agência de seguros do próprio Deus. A regra dessa agência é que você pode ser um membro dela apenas na condição de cobertura total.
Você espezinha a lei de Deus, e Deus não lhe imputa o pecado. Ele perdoa porque você é um membro de uma corporação. Esta corporação foi estabelecida na eternidade. O povo de Deus são os membros. A cobertura é o sangue de Cristo. É a cobertura do próprio Deus. Nós nos tornamos membros desta corporação, quando Deus nos incrusta nela por uma fé viva. Por isto, nós reconhecemos o dano. A cobertura é Cristo. A corporação é o corpo eleito. A política é a própria Palavra de Deus. Então nós exclamamos: “Oh, bem-aventurado o homem cujas maldades são perdoadas, cujos pecados são cobertos e a quem Deus não imputa o pecado!”
Nós somos justificados gratuitamente, pela graça, pela fé em Cristo Jesus nosso Senhor.
Fonte: Righteous by Faith Alone, Herman Hoeksema, Reformed Free Publishing Association, capítulo 21
Para material Reformado adicional em Português, por favor, clique aqui.