Ronald Hanko
Calvino é sempre lembrado como um teólogo, nem sempre como um pregador. Do século XVI ao século XX os seus sermões permaneceram, em sua maior parte, não publicados, e muitos dos manuscritos de seus sermões foram vendidos no começo do século XIX como papel usado. Muitos, embora exaltando suas virtudes como um teólogo e comentarista, lamentam suas deficiências como pregador. Um escritor, que parece não ter lido os sermões de Calvino, disse:
Os defeitos do caráter de Calvino se mostram em suas obras como um pregador. Há uma falta de simpatia e charme, deficiência de imaginação, uso escasso de ilustração, nenhum tom poético, nenhum apelo comovente, nenhuma elegância eminente. [1]
Ler os sermões de Calvino é encontrar em todos eles o entusiasmo, a paixão e o amor de Deus que são as marcas de um grande pregador. Em seu tributo a Calvino, entregue do próprio púlpito de Calvino na Igreja de São Pedro, Genebra, na comemoração do aniversário de quatrocentos anos do nascimento de Calvino, Emile Doumergue disse dele:
Este é o Calvino que me parece ser o Calvino real e autêntico, aquele que explica tudo aos outros: Calvino o pregador de Genebra, moldando por suas palavras o espírito da Reforma do século XVI. [2]
Doumergue estava correto.
A Carreira de Calvino como um Pregador
Poucos pregadores, em qualquer época, conseguem competir com a produção de Calvino como um pregador. Durante a maior parte de seus anos em Genebra, ele pregava duas vezes a cada Dia do Senhor e, em semanas alternadas, todos os dias da semana também. Isto soma a algo perto de 300 sermões ao ano, um total espantoso, especialmente quando alguém se lembra que ele também ensinada quase todo dia na Academia de Genebra.
Geralmente ele pregava a partir no Novo Testamento no Dia do Senhor, tanto de manhã como de noite, usualmente continuando do mesmo livro de manhã e de noite, e pregava a partir do Antigo Testamento nas manhãs dos dias de semana. Nós sabemos que ele pregou por todo o livro de Gênesis, Deuteronômio (200 sermões), Jó (159 sermões), Juízes, 1 e 2 Samuel (194 sermões), 1 e 2 Reis, todos os Profetas Maiores e Menores (324 sermões sobre Isaías e 174 sobre Ezequiel), todos os quatro Evangelho, Atos (189 sermões), 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, 1 e 2 Tessaloniceses, 1 e 2 Timóteo, Tito e Hebreus.
Destes seus sermões, aqueles sobre Gênesis 14:13-22 (14 sobre A História de Melquisedeque), Gênesis 25:12-27 (38 sobre Sobre a Livre Eleição de Deus em Jacó e sobre a Reprovação em Esaú), Deuteronômio, os Dez Mandamentos, 2 Samuel, Jó, Salmo 119, Isaías 53, Jeremias, Miquéias, Gálatas, Efésios, 1 e 2 Timóteo e Tito, bem como diversas seleções de sermões (publicados com títulos, O Mistério da Piedade e outro Sermões Seletos e A Deidade de Cristo e outros Sermões) foram republicados em inglês em anos recentes. Estes sermões não somente provar Calvino como um pregador expositivo sadio, um homem de enorme talento como um pregador, e alguém perfeitamente em contato com a sua audiência, mas eles também são tão frescos e proveitosos de se ler hoje como eles o foram quando foram primeiramente entregues. Houveram poucos, na história da pregação, que se aproximaram da estatura de Calvino como um pregador.
O Estilo de Calvino como Pregador
Em sua pregação, Calvino seguiu o que é algumas vezes chamado de estilo analítico, pregando a partir do texto e trabalhando frase por frase e verso por verso durante um livro inteiro da Bíblia. Seus sermões geralmente duravam de 40 minutos a 1 hora e eram entregues espontaneamente. Ele não usava notas ou manuscritos no púlpito e pregava diretamente do texto grego e hebraico, dando sua própria tradução do hebraico e do grego à medida que pregava.
Ele geralmente não tinha nenhuma introdução, mas simplesmente começava seus sermões com as palavras, “Como temos visto”, ou uma frase similar. Mesmo quando ele retornou a Genebra depois de quatro anos ausente em Strasbourg, tendo sido banido de Genebra através das maquinações dos seus inimigos, ele começou seu primeiro sermão, após retornar, com as palavras, “Como eu estava dizendo…”, como se ele não tivesse partido e como se nada tivesse acontecido.
Lendo seus sermões hoje alguém os achará doutrinários, mas sem terminologia técnica e acadêmica, realistas, cheios de aplicação, intensamente práticos, completamente exegéticos e expositivos, e totalmente carente de tudo, menos de uma interpretação sã da Palavra de Deus. Uns poucos exemplos de seus sermões sobre Isaías 53 [3] devem ser suficiente como ilustrações de sua linguagem vívida, comum e preocupada com os seus ouvintes.
Pregando sobre Isaías 53:1-4, ele diz,
Porque hoje nós gostamos de contar os votos, e muitos hesitantes observam ao redor deles e dizem: “Ó amado! Somente um punhado de homens crê no Evangelho. Se eles fossem um partido maior, eu me uniria a eles disposta e alegremente. Mas, qual é o benefício de unir forças com um grupo pequeno e deixar a multidão?” Agora, para destruir a força destas objeções, o Profeta diz que não apenas meia dúzia ou dezena, mas quase todo mundo em geral recusará obedecer ao nosso Senhor Jesus Cristo”. [4]
O que poderia ser mais realístico ou prático do que isto?
Falando sobre a obra de justiça num sermão sobre Isaías 53:7,8, ele diz:
Estes hipócritas juntos zombam de Deus e de toda religião, e nunca entendem o que é ter transgredido a Lei de Deus. E nós vemos também como eles pensam que podem limpar a si mesmos. Se eles tiverem cantado uma missa, murmurado suas orações, realizado algumas tolices e ninharias inúteis, Deus será pacificado, como um bebê com um chocalho. [5]
Seus sermões não são comentários, mas a Palavra de Deus ensinada e aplicada ao povo de Deus, para instrução, edificação, repreensão e correção. Em sua pregação, Calvino certamente provou a verdade de suas próprias palavras: “Certamente, ninguém é apto para ensinar na Igreja, a menos que ele voluntariamente humilhe a si mesmo, para ser um discípulo juntamente com os outros”. [6]
Que ele estava em contato com a sua audiência é ilustrado não somente por tais exemplos, mas por muitas histórias. Ele é reputado como tendo parado no meio de um sermão no Dia do Senhor, de manhã, e dito: “Aqueles três bêbados lá atrás poderiam ter ficado na taverna, considerando todo o bem que eles estão recebendo de ouvir a Palavra de Deus”. Noutra ocasião: “Como um homem pode se beneficiar da Palavra de Deus quando seu ventre está tão cheio de vinho e comida que ele usa todo o seu esforço apenas para ficar acordado?” [7]
A Visão de Calvino da Pregação
Que Calvino via a pregação do evangelho como o centro da vida e obra da igreja é claro a partir de seu desejo de mover o púlpito para a frente e para o centro da igreja, onde o altar da missa tinha previamente estado. Ele cria que a pregação era central na igreja porque ela era o modo de Deus salvar o Seu povo, até o ponto dele se considerar também um ouvinte:
Quando eu subo ao púlpito não é para ensinar os outros somente. Eu não me retiro aparte, visto que eu devo ser um estudante, e a Palavra que procede da minha boca deve servir para mim assim como para você, ou ela será o pior para mim. [8]
Ele cria nisto porque ele cria que a pregação da Palavra era um meio de graça para o povo de Deus — o principal meio de graça. “Quando nos reunimos em nome de Deus”, ele disse, “não é para ouvir meros cânticos, e ser alimentados com vento, isto é, com curiosidade vã e inútil, mas para receber alimento espiritual”. [9] Por esta razão ele cria que a pregação deveria ser “sem exibição”, para que o povo de Deus pudesse reconhecer nela a Palavra de Deus e para que o próprio Deus, e não o pregador, pudesse ser honrado e obedecido.
Pode ser notado quando lendo os sermões de Calvino que, a despeito de todos os esforços para provar que Calvino cria na assim chamada oferta do evangelho, seus sermões realmente provam o contrário. Não há nada neles de apelos, chamadas ao altar, súplicas com pecadores, convites para o não convertido aceitar a Cristo, mas somente uma exposição clara e direta da Palavra de Deus, acompanhada por uma confiança tranqüila de que o Espírito de deus moveria e salvaria os corações dos homens através da pregação. Eles são na maior parte não-emocionais; todavia, são exposições comoventes, simples e diretas que tocam o coração com poder salvador. Qualquer pessoa gostaria de tê-lo ouvindo em pessoa.
Análise de Calvino o Pregador
A despeito do criticismo de D’Aubigne dos sermões de Calvino (“Eles são considerados por muitas pessoas as mais fracas de suas produções, e dificilmente vale à pena sequer olhar para eles”), foi sob a pregação de Calvino que Genebra se tornou, nas palavras de John Knox, “a mais perfeita escola de Cristo na terra”. De sua pregação Beza disse, “Toda palavra tinha um peso” (tot verba, tot pondera), e a evidência existe para provar que Beza estava correto.
Sua própria confissão no leito de morte foi:
Eu protesto diante de Deus que não imprudentemente, e não sem ser persuadido da verdade, tenho ensinado a vocês a doutrina que têm ouvido de mim; mas eu tenho pregado a vocês puramente e com sinceridade a Palavra de Deus segundo a responsabilidade que Ele me deu com respeito a ela.
Sua pregação provou isso.
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NOTAS:
[1] – Edwin Charles Dargan, A History of Preaching (Grand Rapids: Baker, 1974), vol. I, p. 448.
[2] – Citado por Leroy Nixon, John Calvin, Expository Preacher (Grand Rapids: Eerdmans, 1950), p. 38.
[3] – Sermons on Isaiah’s Prophecy of the Death and Passion of Christ (London: James Clarke, 1956).
[4] – Sermons on Isaiah’s Prophecy , pp. 61, 62.
[5] – Sermons on Isaiah’s Prophecy , p. 96.
[6] – The Acts of the Apostles (Grand Rapids: Eerdmans, 1973), vol. I, p. 272 (Atos 9:26).
[7] – Nixon, John Calvin , pp. 65, 66.
[8] – Citado por Bernard Cottret, Calvin: A Biography (Grand Rapids: Eerdmans, 2000), p. 294.
[9] – The Mystery of Godliness and Other Selected Sermons (Grand Rapids: Eerdmans, 1950), p. 56.
[10] – Citado em Sermons on the Epistle to the Ephesians (Edinburgh: Banner of Truth, 1973), pp. v, vi