Rev. Herman Hoeksema
Ninguém pode dizer com que idade começa o Espírito Santo e a viva e permanente Palavra de Deus pode e faz aparecer a semente da regeneração e trazer a faculdade da fé para uma mais ou menos actividade consciente. Educadores mundanos compreendem claramente que todo o mundo exterior flui sobre a consciência de uma criança desde tenra infância e faz a sua impressão sobre aquela consciência. Educadores modernos realçam a importância de rodear a criança, mesmo ainda no berço, com objectos, sons, formas, cores e cheiros que fazem a mais favorável impressão sobre o infante. Porquê então não pode o Espírito Santo, em ligação com a Palavra viva de Deus, imprimir a pequena criança com todas as influências de uma verdadeira casa da aliança—cantando salmos ou hinos, tocando música sacra, a oração dos pais feita sobre o berço, juntando as mãos da pequena criança em oração à mesa na sua cadeira, e muito mais—para trazer a faculdade da fé à actividade consciente? Nós sabemos muito pouco acerca da vida de uma criança, mas é certo que muito antes da considerada idade de discernimento pode haver e há uma decisiva influência da Palavra de Deus sobre a criança da aliança.
De acordo com a nossa convicção, é especialmente por esta razão que as crianças da aliança são regeneradas em tenra infância. Porque deveria Deus, de acordo com a regra da aliança, trazer pequenas crianças sob a influência da pregação se elas não são regeneradas? Os mortos certamente não podem usar meios, e não há nenhuma reacção apropriada à pregação por aqueles que são espiritualmente mortos. Somente aqueles que estão vivos são capazes de usar os meios que o Espírito Santo providencia para a operação da fé e para o desenvolvimento e edificação dessa fé. Nós cremos que como regra as crianças eleitas da aliança são regeneradas desde tenra infância. À medida que a criança cresce na esfera da aliança, ela gradualmente vem à fé consciente, recebe a promessa e assume a sua parte da aliança, a qual de acordo com a “Forma de Administração do Baptismo,” consiste em ser
admoestados e obrigados a nova obediência, nomeadamente, que nos sujeitemos a este Deus, Pai, Filho e Espírito Santo; que confiemos nele, e amemo-lo de todo o nosso coração, de toda a nossa alma, com todo o nosso entendimento e com todas as nossas forças; que esqueçamos o mundo, crucifiquemos a nossa velha natureza, e andemos numa nova e santa vida.
Quando o filho da aliança alcança a idade de discernimento, tendo sempre andado no caminho da aliança, ele não é nem pode esperar-se que seja consciente de uma súbita ou notável mudança ou conversão na sua vida. Para ser seguro, a mudança que nós chamamos de conversão precisa seguramente ter lugar. O filho da aliança precisa ser capaz de dar contas de si própria e precisa ter consciência de verdadeira conversão, que consiste na mortificação do velho homem e do aparecimento do novo homem. Ele precisa ter consciência de uma sincera tristeza de coração por ter provocado Deus com seus pecados. Ele precisa ser conhecedor de um desejo de odiar e fugir do pecado. Ele precisa ser consciente de uma sincera alegria de coração em Deus através de Cristo e de um sincero deleite em viver de acordo com a vontade de Deus em todas as boas obras. Mas no caminho da aliança, esta conversão não é súbita nem marcante, mas gradual. A questão não é quando ou onde o filho do pacto foi convertida ou como essa mudança foi efectuada nele, mas antes se ele conhece a sua conversão e a revela por um andar no caminho de uma contínua conversão no meio da igreja e no mundo (Catecismo de Heidelberg, Q. & A. 88-91). Toda esta mudança é efectuada através da pregação da palavra.
A pregação da palavra na esfera da aliança precisa ser mutuamente distintiva e edificante. Ela não pode proceder do presumir que todas as crianças da aliança, isto é, todas aquelas que são nascidas na esfera da e sob a aliança, são eleitas e regeneradas. A teoria da regeneração presumível, de acordo com a qual é presumido que todas as crianças nascidas sob a aliança são regeneradas, é certamente não escriturística: nem todos os que são de Israel são israelitas; não são os filhos da carne, “mas os filhos da promessa são contados como descendência” (Romanos 9:6-8). Nem sequer pode ser dito que aqueles que estão sob a aliança, mas que são e permanecem carnais e nunca vêm para a fé salvadora ou verdadeira conversão são a excepção em vez da regra. A história da igreja do Velho Testamento ensina precisamente o contrário. Sempre abundou a semente carnal na aliança da velha dispensação, e somente um remanescente de acordo com a eleição da graça foi salvo.
Nem isto aparece de forma diferente quando olhámos para a igreja da nova dispensação em geral. Se nós considerarmos a cristandade baptizada como um todo, parecerá que aqueles que apostataram da fé são incomparavelmente mais numerosos do que mos crentes fiéis são. Sempre há a semente carnal na igreja. A teoria da regeneração presumível, que ensina que todas as crianças nascidas na aliança são eleitas, não é somente não escriturística, mas também perigosa. Perigosa é, não porque, como diz o ditado popular, ela tende a deixar as pessoas irem para o inferno com um céu imaginário. Isso é praticamente impossível, pelo menos onde a verdade é pregada. Mas o perigo é porque ela presume o que não é de acordo com as Escrituras, ela deixa os de mente carnal na igreja, de forma a que a igreja de Cristo seja corrompida. Portanto, a pregação deve ser dirigida não só aos eleitos, mas também aos réprobos; não só aos santos, mas também aos mundanos. Ela precisa ser tão distintiva que debaixo da sua influência os réprobos e mundanos não consigam permanecer, mas se revelem como odiosos da verdade de Deus e seu Cristo.
Para além disso, mesmo os eleitos e regenerados não são perfeitos; mesmo considerando-os há muita carnalidade na igreja. Diariamente eles têm de guerrear contra os desejos e concupiscências da carne, de maneira que eles possam ser admoestados a andar pronta e dignamente no caminho da aliança, a odiar o pecado, a lutar contra ele, e a fugir dele.
A pregação na esfera da aliança precisa ser sempre distintiva. Isto não significa necessariamente que precise dividir a igreja entre eleitos e réprobos, convertidos e não convertidos, e dirigir-se-lhes separadamente. Pelo contrário, isso significa que toda a igreja, como ela organicamente existe no mundo, precisa ser trazida sob a influência da mesma igual pregação: a mesma palavra precisa ser dirigida a todos. Todos precisam ser exortados a ser convertidos e a converterem a si mesmos, a arrependerem-se no pó e cinzas (Job 42:6). Todos precisam ser admoestados continuamente a andar no caminho da santificação e a viver antiteticamente como sendo do partido do Deus vivo no meio do mundo. Tal pregação será um sabor de vida para aqueles que Deus escolheu para a salvação eterna, mas ao mesmo tempo um sabor de morte para a morte para o resto (II Cor. 2:16). Somente debaixo de tal pregação será a igreja levantada e serão os crentes edificados.
Fonte: Reformed Dogmatics, vol. 2, Herman Hoeksema, Reformed Free Publishing Association, pp. 312-315.
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