Rev. Herman Hoeksema
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto1
A reprovação está imediatamente conectada com a eleição, mas não pode ser colocada a par com a eleição. A reprovação segue a eleição, e a reprovação serve à eleição. A reprovação tem o seu motivo na vontade divina de realizar o pacto na forma antitética de pecado e graça. A plenitude da deidade habita no Cristo ressurreto. Da profundeza de miséria e morte, Cristo entra na glória da plena vida pactual de Deus. Esse caminho do sofrimento à glória, do pecado à justiça do reino dos céus, da morte para a vida, a igreja deve seguir. À medida que a igreja segue esse caminho, a casca réproba do organismo humano serve à igreja em Cristo. Na casca da reprovação o núcleo eleito se torna maduro. Por essa razão, a reprovação não pode ser colocada na mesma linha da eleição.
A eleição é a pré-ordenação divina da igreja, com seus milhões de eleitos, para a salvação da vida do pacto de Deus em Cristo. A igreja serve a Cristo. A igreja eleita é dada a Cristo como o seu corpo. Ela deve servir para manifestar e radiar numa forma multiforme a glória que está em Cristo Jesus, que é a glória de Deus. Por essa razão, os eleitos são aqueles que são dados pelo Pai a Cristo. Aqueles que são dados formam uma unidade. Todo aquele (no singular) que o Pai me dá, esse virá a mim; e aqueles (no plural) que vêm a mim, de modo nenhum os lançarei fora (João 6:37, versão do autor).
Esse é o ensino da Escritura. Novamente, essa apresentação tem sido objetada que a palavra eleição é uma tradução do grego ἐκλογή, que na verdade significa “escolher dentre.” Disso é argumentado que se é possível falar de eleição ou escolha dentre, então a multidão da qual a escolha é feita deve ser pressuposta existir. Aplicado à eleição eterna, isso significaria que no decreto de Deus a multidão de homens dentre a qual Deus elege seu povo deve preceder a própria eleição. Conclui-se então que no conselho de Deus o decreto de criação e a permissão da queda certamente devem preceder o decreto de predestinação. Por conseguinte, Deus escolheu dentre uma multidão de homens caídos.
Por detrás dessa apresentação reside indubitavelmente a boa intenção de não fazer de Deus o autor do pecado. Podemos observar, primeiro, que de fato deve estar longe de nós o fazer de Deus o autor do pecado. Contudo, é uma questão inteiramente diferente se Deus deve ou não ser apresentado como a causa decretadora do fato da queda e do fato do pecado. Se não queremos destronar Deus e apresentar Deus e o pecado como um dualismo, certamente devemos manter que Deus é a causa decretadora do fato do pecado.
Segundo, o infralapsariano, a despeito de todas as suas boas intenções, não resolve no final das contas o problema do pecado em relação a Deus mais que o supralapsariano o faz. O infralapsariano também terá que dar ao pecado um lugar no decreto de Deus.
Com respeito à argumentação a partir da palavra ἐκλογή (eleger), podemos dizer que ela reside num mau entendimento. Esse equívoco é que a pessoa aplica a Deus o que é aplicável somente aos homens. Quando os homens elegem, nada vem à existência por causa disso. Os homens podem apenas fazer distinção e separação. Por conseguinte, quando os homens escolhem, aquilo dentre o qual a escolha é feita deve existir primeiro. Mas com Deus é exatamente o oposto. Com ele a eleição é causal, criativa e divina.
Essa distinção é a mesma daquela entre a palavra divina e a palavra humana. A palavra de Deus é criativa. Essa palavra vem primeiro. A coisa que vem à existência por meio da palavra vem em seguida. A palavra do homem pode ser apenas uma imitação da palavra de Deus. Antes que o homem possa falar, a coisa criada deve primeiro ter vindo à existência pela palavra de Deus. O mesmo é verdade da eleição. Quando Deus em seu decreto escolhe dentre, então por meio desse decreto a diferenciação ou a multidão diferenciada vem à existência. Em outras palavras, a eleição de Deus é primeiro de tudo pré-ordenado para a salvação e para a glória da vida pactual em Cristo.
Assim é na Escritura. Em outra conexão já apontamos o fato que a Escritura fala de uma eleição antes da fundação do mundo: “Nos elegeu nele antes da fundação do mundo” (Ef. 1:4). Isso não significa que esse “antes da fundação do mundo” é simplesmente antes do mundo ou da fundação do mundo no tempo. A eternidade, na qual reside o decreto de Deus, não precede o tempo, mas está muito acima do tempo; ela não é tempo.
Além disso, a Escritura frequentemente fala do fato que Deus conhece o seu povo:
Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou (Rm. 8:29, 30).
Em I Pedro 1:2 lemos: “Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo”.
Esse pré-conhecimento de Deus não pode e não deve ser explicado de uma forma humana, como o arminiano deseja explicá-lo. Então pegamos a idéia de uma presciência de Deus, de um ver desde a eternidade quem irá e que não irá crer em Cristo e perseverar até o fim, e de uma eleição baseada sobre esse pré-conhecimento. De acordo com tal apresentação, o que é aplicável somente ao conhecimento humano é aplicado a Deus. Antes, esse pré-conhecimento de Deus é um conhecer criativo de amor, pelo qual o objeto vem a estar diante de Deus, e a corrente de amor soberano jorra dele. Somente nessa luz podemos entender uma passagem como Isaías 43:4 (ARA): “Visto que foste precioso aos meus olhos, digno de honra, e eu te amei, darei homens por ti e os povos, pela tua vida”. Devemos ver na mesma luz Isaías 49:16: “Eis que, na palma das minhas mãos, te tenho gravado; os teus muros estão continuamente perante mim”.
Essa, então, é a conclusão do assunto concernente ao pacto de Deus: Deus quer revelar sua vida pactual gloriosa a nós; como o Deus triúno ele ordena seu Filho para ser Cristo e Senhor, o primogênito de toda a criação, o primogênito dentre os mortos, o glorificado, em quem habita toda a plenitude da divindade; para esse fim ele ordena a igreja e lhe dá a Cristo, e ele elege por seu nome todos aqueles que na igreja terão um lugar para sempre, para que a plenitude (πλήρωμα) de Cristo possa cintilar numa variação multiforme na igreja para o louvor de sua glória. Ao redor desse Cristo e sua igreja e desse propósito da revelação da glória da vida pactual de Deus, todas as coisas no tempo e na eternidade duradoura se concentram. O fim disso tudo é que nos prostremos em adoração perante esse glorioso Deus soberano e exclamemos,
Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Porque quem compreendeu o intento do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele, e por ele, e para ele são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém! (Rm. 11:33-36).
Fonte: Reformed Dogmatics, Herman Hoeksema, Reformed Free Publishing Association, vol. 1, pp. 477-480.
1E-mail para contato: [email protected]. Traduzido em julho/2007.
Para material Reformado adicional em Português, por favor, clique aqui.