Rev. Herman Hoeksema
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto1
Para determinar a idéia do pacto, é melhor observar aquelas passagens da Escritura que falam da relação entre Deus e o seu povo do pacto. Quando assim fizermos, não pode haver dúvida que a ênfase não é sobre a idéia de um acordo ou contrato, mas antes sobre uma viva relação de amizade entre Deus e aqueles a quem ele escolheu em Jesus Cristo, Senhor deles. Nessa relação ele vive, por assim dizer, em pé de igualdade com o seu povo, se revela a eles, faz com que eles o conheçam, abre seu coração para eles, fala com eles face a face, como um amigo aos seus amigos, transmite seus segredos a eles, vive sob o mesmo teto com eles, come e bebe com eles, e anda com eles.
A relação é tal que Deus os recebe em sua própria família e, de acordo com a medida da criatura, eles entram na vida de amizade do Deus triúno e nessa relação desfrutam a mais alta bem-aventurança possível. Deus sempre permanece Deus e Senhor, e o homem permanece criatura e servo. A distância entre o criador e a criatura, entre Deus e o homem, não é removida. Todavia, como o Senhor Deus no pacto, ele é o amigo soberano do seu povo, que os abençoa em seu favor, abençoa aqueles que o bendizem, amaldiçoa aqueles que o amaldiçoam, faz do seu povo herdeiros de todas as coisas, coloca-os sobre as obras de suas mãos, e faz com que eles entrem em seu descanso e desfrutem dos prazeres que estão em sua destra. Aquele que como servo entra no pacto de Deus é, todavia, amigo de Deus, amigo obediente, que tem a lei de Deus em seu coração e se deleita em fazer a sua vontade, cantar seus louvores, se consagrar com corpo e alma e todas as coisas ao Deus vivo, e governar somente em seu nome sobre todas as obras de suas mãos.
Que essa é a relação entre Deus e o seu povo do pacto é a idéia real da palavra de Deus. Esse foi o caso com a relação na qual Adão estava com Deus no paraíso. Deus criou o homem segundo a sua imagem e semelhança, e em virtude dessa criação o homem permaneceu em relação pactual com Deus. O pacto não foi algo adicional, mas foi dado com a própria criação de Adão segundo a imagem de Deus. É verdade que nessa relação Adão era servo. Foi Deus quem o colocou no jardim do Éden para cultivar e guardá-lo. Ele também impôs sobre ele o assim chamado mandamento probatório, e por ele Deus colocou Adão diante da antítese e o ameaçou com morte no caso dele violar esse mandamento e pisotear o pacto de Deus. Embora tudo isso seja uma manifestação da relação pactual, o pacto em si foi dado com a criação de Adão segundo a imagem de Deus. Nessa imagem Adão possuía a semelhança criatural necessária que é a base de toda relação pactual. Por causa dessa semelhança, ele foi capaz de ouvir a Palavra de Deus não somente por meio do discurso de Deus na criação, mas também por meio do discurso de Deus com ele como um amigo com o seu amigo.
Em virtude dessa imagem, ele foi capaz de conhecer a Deus e entrar em seus segredos, de provar seu favor e de considerar esse favor como o mais alto bem. Através dessa imagem ele poderia conhecer a vontade de Deus e considerar o guardar de seus mandamentos o seu bem maior. Através dessa imagem ele poderia amar ao Senhor seu Deus de todo o seu coração, mente, alma e força, e se consagrar ao Deus vivo com a criação inteira sobre a qual tinha recebido domínio. Não somente foi ele capaz de fazer tudo isso em virtude de sua criação à imagem de Deus, mas ele também funcionou nessa relação pactual a partir do momento de sua criação. O pacto de Deus com Adão, portanto, não foi um acordo adicional, mas indubitavelmente a relação de amizade viva na qual o primeiro homem permaneceu para com o seu Deus em virtude de ser criado segundo a imagem do próprio Deus.
Quando Adão violou o pacto de Deus por desobediência deliberada, e Deus manteve seu pacto em Cristo Jesus, a idéia do pacto não foi alterada. O pacto permaneceu a relação viva e eterna de amizade, que é possível porque em Cristo seu povo novamente se torna conformado à imagem de Deus. Deus manteve seu pacto a despeito e mesmo através do pecado. Ele estabelece seu pacto em Cristo, e nele esse pacto nunca pode ser destruído ou abolido. Em Cristo ele realiza seu pacto no sentido mais alto possível na Palavra encarnada.
A queda de Adão deve servir para abrir espaço para Cristo e para o pacto melhor, mas a idéia do pacto não é alterada. Deus é um, e seu pacto é um. Na primeira revelação do pacto, Deus colocou inimizade entre a semente da mulher e a semente da serpente. Positivamente falando, essa inimizade, que foi estabelecida pelo próprio Deus, era a amizade de Deus. Aqui, também, devemos notar que não existe nenhuma menção de contrato ou acordo.
O pacto é de Deus. Ele o estabelece e anuncia que será eternamente fiel ao seu pacto. Ao Deus colocar inimizade entre o homem e a serpente e sua semente, o homem foi uma vez mais recebido no pacto de Deus e se tornou participante do Deus vivo no meio do mundo. Como a amizade do mundo é inimizade contra Deus, assim também a inimizade contra a serpente e sua semente é o mesmo que amizade para com Deus.
O mesmo pensamento ocorre repetidamente na Santa Escritura. Lemos que Enoque andou com Deus (Gn. 5:22), que Noé andou com Deus (Gn. 6:9), e que com Noé Deus estabeleceu seu pacto (v. 18). Esse andar com Deus não consiste numa certa experiência mística e indizível, mas na clara consciência do pacto de acordo com o qual Enoque e Noé eram amigos de Deus, o conheciam, serviam a ele, guardavam os seus mandamentos, confessavam o seu nome, e andavam diante dele em retidão no meio de um mundo ímpio que se apostatou do Deus vivo.
Jeosafá chamou Abraão de o amigo de Deus. Quando as novas foram trazidas a Jeosafá, de que um grande exército de moabitas e amonitas estava vindo contra ele para lutar, Jeosafá entrou na casa do Senhor diante do pátio novo e orou,
Ah! SENHOR, Deus de nossos pais, porventura, não és tu Deus nos céus? Pois tu és dominador sobre todos os reinos das gentes, e na tua mão há força e poder, e não há quem te possa resistir. Porventura, ó Deus nosso, não lançaste tu fora os moradores desta terra, de diante do teu povo de Israel, e não a deste à semente de Abraão, teu amigo, para sempre? (2 Crônicas 20:6-7).
Concernente a amizade de Abraão com Deus, lemos também em Isaías 41:8: “Mas tu, ó Israel, servo meu, tu Jacó, a quem elegi, semente de Abraão, meu amigo.” Novamente, em Tiago 2:23: “E cumpriu-se a Escritura, que diz: E creu Abraão em Deus, e foi-lhe isso imputado como justiça, e foi chamado o amigo de Deus.”
A Abraão Deus disse: “E abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn. 12:3). A Abraão o Senhor revelou os pensamentos secretos do seu coração:
E disse o SENHOR: Ocultarei eu a Abraão o que faço, visto que Abraão certamente virá a ser uma grande e poderosa nação, e nele serão benditas todas as nações da terra? Porque eu o tenho conhecido, que ele há de ordenar a seus filhos e a sua casa depois dele, para que guardem o caminho do SENHOR, para agirem com justiça e juízo; para que o SENHOR faça vir sobre Abraão o que acerca dele tem falado (Gênesis 18:17-19).
Fonte: Reformed Dogmatics, Herman Hoeksema, Reformed Free Publishing Association, vol. 1, pp. 462-465.
1E-mail para contato: [email protected]. Traduzido em julho/2007.
Para material Reformado adicional em Português, por favor, clique aqui.