Douglas J. Kuiper
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto1
Não é suficiente que o diácono seja um crente cheio do Espírito que manifesta a graça de Deus na forma como vive (sendo honesto, não de língua dobre, não dado a muito vinho, não cobiçoso de torpe ganância, 1 Timóteo 3:8). Esses requerimentos são importantes, sem dúvida. Se um homem não satisfaz esse padrão, não pode ser um diácono na igreja de Deus. Mas o padrão requer ainda mais.
Sua esposa também deve ser piedosa!
Esse requerimento é apresentado em 1 Timóteo 3:11-12 (ARA): “Da mesma sorte, quanto a mulheres, é necessário que sejam elas respeitáveis, não maldizentes, temperantes e fiéis em tudo. O diácono seja marido de uma só mulher e governe bem seus filhos e a própria casa.”
Três perguntas se levantam à medida que estudamos esses versículos que falam sobre a situação familiar do diácono. Primeiro, os diáconos devem ser casados e terem filhos? Segundo, que tipo de esposas eles devem ter? Terceiro, o que é requerido deles com respeito a como governam em seus lares?
Qual é o ponto real do requerimento que o diácono deve ser “marido de uma só mulher?” Homens solteiros podem servir nesse ofício? Caso sua esposa morra, pode um diácono se casar novamente?
A ênfase desse requerimento cai sobre a palavra “só.” Esse é o ponto que Espírito está enfatizando para a igreja: “O diácono seja marido de uma só mulher.” Que essa palavra recebe a ênfase é claro a partir da ordem das palavras da sentença no original grego: “O diácono seja de uma só mulher marido.” “Só” vem primeiro. A ênfase não é primariamente sobre o diácono ser casado ou não, mas sobre o número de esposas que tem. Se a ênfase fosse sobre ele ser casado ou não, a palavra “só” não seria necessária. “O diácono seja marido de uma mulher,” ou de maneira mais simplificada, “o diácono seja casado,” seria suficiente. Mas o Espírito Santo adicionou a palavra “uma,” e a colocou num lugar enfático na sentença.
Por que esse requerimento é necessário?
Historicamente, é bem possível que esse requerimento era necessário por causa da poligamia na igreja primitiva. E devemos lembrar que poligamia não é uma coisa do passado, inofensiva à igreja de Jesus Cristo! O novo casamento de pessoas divorciadas, enquanto seu ex-cônjuge – e único cônjuge legítimo aos olhos de Deus – está vivo é uma forma moderna de poligamia. Nenhum homem divorciado e casado novamente, cuja esposa ainda vive, pode servir no ofício de diácono. De fato, não deveria nem mesmo ser membro da igreja.
Além do mais, essa qualificação é necessária porque ressalta um princípio positivo sobre os casamentos cristãos em geral, e o casamento de um diácono em particular: nossos casamentos devem ser caracterizados por estabilidade e fidelidade. Ao requerer que os diáconos sejam maridos de uma mulher, Deus não requer meramente o óbvio, que haja um relacionamento legal de casamento entre um diácono e sua esposa. Antes, Deus enfatiza que o diácono, o marido, deve ser o homem de uma mulher, fiel à sua esposa em tudo. Ele deve ser um marido piedoso, amando sua esposa com o amor altruísta e imutável que Cristo tem por sua igreja.
Outros que têm estudado essa passagem chegaram à mesma conclusão, que a ênfase cai sobre o amor e a devoção de um diácono à sua esposa. James Barnett escreve: “… o melhor entendimento dessa passagem é que o requerimento é um de fidelidade à sua esposa… O bispo ou diácono deve ter um casamento estável e harmonioso, que dará certeza que ele realizará o serviço pastoral desse ofício com dignidade e eficiência.”2 E o Rev. George Lubbers, explicando a mesma frase como aplicada aos presbíteros (1Tm. 3:2), escreve: “A ênfase cai sobre a qualidade do homem e não muito sobre o número de esposas que ele tem. Ele deve ser um homem estritamente leal à sua única esposa; não deve ser um galanteador. Nesse respeito, deve ser de integridade inquestionável. Não é suficiente que tenha apenas uma esposa; nenhuma menção perversa deve ser feita dele, e os homens não devem sussurrar sobre ele.”3
Entendendo a ênfase apropriada do texto, podemos fazer várias observações.
Primeiro, o Espírito Santo não pretende proibir um homem solteiro de ter o ofício. O ponto do texto não é requerer que ele seja casado, mas que seja certo tipo de homem quando for casado. Talvez seja preferível que os diáconos sejam casados; certamente é preferível que a maioria dos diáconos numa congregação seja casada. O casamento dá a um homem oportunidades específicas para crescer em paciência, compaixão e entendimento da natureza humana (especialmente da sua; aprendi algumas coisas nos últimos quatro anos!). É muito possível que o diácono casado que deve visitar uma família que pediu benevolência teria um melhor entendimento do que uma família precisa para viver, e seria mais capaz de ver quais sacrifícios financeiros essa família particular em necessidade já está fazendo, do que um diácono solteiro. Contudo, o Espírito não requer que todo diácono seja casado. Compaixão, paciência e discernimento são dons que Deus dá também a alguns homens solteiros em sua igreja.
Segundo, o que já foi dito se aplica também àqueles diáconos que são casados, mas a quem Deus não deu filhos. O texto refere-se aos filhos dos diáconos: “governe bem seus filhos e a própria casa”. Mas uma vez mais, isso não significa que um homem que não tenha filhos não esteja qualificado para o ofício. Antes, significa que se um homem tem filhos, e não os governa bem, ele não está qualificado para o ofício. Assim como a ênfase da frase “marido de uma só mulher” cai sobre a qualidade do seu casamento, assim a ênfase aqui cai sobre a qualidade de seu relacionamento com seus filhos, não sobre se tem ou não filhos. A isso retornaremos em breve.
Terceiro, o texto não proíbe que um diácono cuja esposa tenha morrido se case novamente. Alguém poderia chorar ao ouvir que não somente existem igrejas que colocam essa restrição sobre os diáconos, mas que até mesmo versões da Bíblia traduzem assim o texto. A The New Revised Standard Version, por exemplo, traduz o texto dessa forma errônea: “casado apenas uma vez”. Em nenhum lugar a Escritura proíbe o novo casamento de uma pessoa na igreja cujo cônjuge tenha morrido. De fato, ela dá explicitamente liberdade para assim o fazer: “A mulher casada está ligada pela lei todo o tempo em que o seu marido vive; mas, se falecer o seu marido, fica livre para casar com quem quiser, contanto que seja no Senhor” (I Co. 7:39).
E finalmente, embora tenhamos notado que o texto não requer que um diácono seja casado, é triste também que algumas igrejas proíbam pessoas casadas (mesmo uma única vez) de ser diáconos, ou que se casem uma vez que estejam no ofício. Roma, sabemos, faz tais restrições. E essas restrições têm sua origem nas decisões de concílios da igreja primitiva. O Concílio de Elvira (aproximadamente 305 d.C., perto de Granada, Espanha) ordenou: “Determinou-se unanimemente estabelecer a proibição de que os bispos, os sacerdotes e os diáconos, isto é, todos os clérigos constituídos no ministério, se abstenham de esposas, e não gerem filhos: e, aquele, quem for que seja, que o tenha feito seja declarado decaído da honra da clericatura.”4 Mesmo que I Timóteo 3:11-12, propriamente entendido, não requeira que os diáconos sejam casados, certamente a passagem permite isso, e até mesmo assume que eles casarão. Proibir que os oficiais sejam casados é colocar sobre eles um fardo que Cristo não colocaria. Tais regras de proibição são regras de homens,5 não de Deus, e indica que tais igrejas não fazem da Palavra de Deus sua autoridade para o governo da igreja.
As esposas de diáconos casados devem ser de certo tipo.6
O versículo 11 nos diz qual tipo é esse. Primeiro, deve ser honesta. Essa palavra é usada também com referência ao diácono no versículo 8, como explicamos em nosso último artigo. Ela deve ser séria e digna; sua conduta e atitudes devem trazer sobre ela o respeito dos outros. Segundo, ela não deve ser maldizente. A palavra é literalmente “diabólica” – uma palavra frequentemente usada para se referir a Satanás e seus métodos enganadores. Ela diz respeito a todos os pecados da língua, todos os pecados contra o nono mandamento. Que as esposas dos diáconos não falem mal dos outros, nem acusem falsamente, imprudentemente, ou sem conhecimento; que não vivam de fofocas, mentiras e nem espalhem rumores. Positivamente, que elas falem a verdade sempre em amor, e visando a edificação. Se não puderem falar em amor, que fiquem quietas!
Terceiro, ela deve ser sóbria, isto é, temperante. Não somente com respeito ao vinho, mas a todos os bens e prazeres terrenos, ela deve ser auto-controlada, não dada ao excesso. Os prazeres e desejos espirituais devem encher sua alma, e as atividades espirituais devem tomar o seu tempo.
Finalmente, ela deve ser fiel em tudo. Deve ser uma pessoa confiável, responsável, devotada à causa do reino de Deus e ao seu serviço.
Por que Deus faz esses requerimentos de uma esposa de diácono? Por que, à luz do fato que ela não possui ofício na igreja? E por que o capítulo não dá nenhum dos tais requerimentos para a esposa de um presbítero?
As esposas dos presbíteros também devem ser mulheres piedosas. Para um presbítero, diácono, ou pastor ter tal esposa seria uma evidência de sua própria piedade. Ele procurou pelo tipo correto de esposa! Sua preocupação foi casar no Senhor! A piedade de sua esposa é também evidência que seu marido trabalha para edificar crentes na fé e piedade, começando em sua própria casa com sua esposa.
Mas há uma razão mais fundamental pela qual as esposas dos diáconos devem ser tais mulheres, e porque o requerimento não é feito explicitamente quanto às esposas dos presbíteros. A obra e autoridade do diácono se estendem além do reunir e distribuir caridades; inclui também a manifestação prática de misericórdia para com os enfermos, idosos, e outros em necessidade especial. Alguns dos neófitos podem ser mulheres idosas ou inválidas que precisam de ajuda com seu cuidado especial. A obra de cuidar de tais mulheres é propriamente a obra dos diáconos, pois é uma obra de misericórdia. Mas seria muito inapropriado um homem ajudar a uma mulher inválida. Em tal caso, as esposas dos diáconos podem ajudar oportunamente os seus maridos. Assim, as esposas deles devem satisfazer certos requerimentos.
O caso é diferente com os presbíteros, cuja obra é ensinar e governar. A esposa de nenhum presbítero pode ajudá-lo a fazer essa obra. Deus proíbe que a mulher ensine ou governe na igreja. E nenhum presbítero pode pedir para que sua esposa faça uma chamada disciplinar no seu lugar – mesmo a uma mulher! Assim, os requerimentos não são dados para as esposas dos presbíteros.
Talvez os diáconos inscreverão a ajuda de outras na congregação para atender às necessidades físicas dos doentes e inválidos – seja arrumando transporte até o escritório do médico, conseguindo mantimentos, etc. Então o princípio do versículo 11 se aplica a essas ajudantes também – que sejam exemplares em sua piedade!
Um dia, se Deus quiser, após termos lidado com outros aspectos do ofício e obra dos diáconos, retornaremos a examinar em maiores detalhes essa idéia das ajudantes dos diáconos, ou “diaconisas” num sentido apropriado.
Por último, os diáconos devem governar bem seus filhos e casa.
A razão para essa qualificação já foi dada no versículo 5, com referência aos presbíteros: “Pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?” Mediante como ele governa sua própria casa, a congregação terá evidência que o homem é capaz de trabalhar na igreja. Embora o diácono não tenha um ofício de governo, o fato é que ele sustém uma posição de autoridade. Como ele usa e manuseia a autoridade? Sua vida familiar dará uma resposta à pergunta.
O que constitui um bom governo?
A resposta fundamentalmente é que ele instrui, disciplina e governa sua casa como o seu cabeça. Além disso, ele assim o faz com respeito (v. 4, ARA), isto é, com dignidade, de uma maneira auto-controlada, e de forma a merecer respeito de seus filhos e outros.
Note que o requerimento no versículo 12 é feito dos diáconos: “Os diáconos sejam…” No versículo 11, os requerimentos são feitos das esposas dos diáconos. Agora, embora o versículo 12 refira-se aos filhos dos diáconos, ele não faz requerimentos dessas crianças, mas do próprio diácono. Sobre ele cai toda a ênfase do texto!
Esse ponto é digno de atenção, especialmente quando um homem sendo considerado para o ofício tem um filho ingovernável e teimoso. Tal criança torna o pai inepto para o ofício? Talvez, mas não necessariamente. A linha da eleição e reprovação percorre toda a linha do pacto, e também as famílias dos oficiais na igreja. O fato que um homem tem um filho que vive uma vida ímpia não o torna inepto para o ofício. Mas uma pergunta deve ser feita: o pai carrega certa culpa pelo modo com seu filho age? Pode isso demonstrar que esse pai não instruiu e disciplinou seu filho? Se sim, o homem é inadequado para o ofício. Mas se o filho se rebela a despeito da instrução e castigo do pai, o homem pode ainda ser apto para o ofício.
Sob essa qualificação de governar bem cai não somente a questão de ensino e disciplina do filho de alguém, mas também de uma relação completa entre os dois. Ele é verdadeiramente um pai? Seus filhos conhecem o seu amor? Eles sabem que seu pai existe, ou ele sai de casa tão frequentemente que pensam nele somente como o homem que os sustenta? O seu governo sobre eles, que já observamos que deve ser justo, é também amoroso – ou ele é dominador na administração da justiça? E ele faz isso somente quando frustrado porque as crianças estão gritando por sua atenção, ou é muito ocupado fazendo suas coisas para prestar-lhes a atenção não somente que querem, mas precisam, e têm direito como seus filhos? Como alguém trata os seus filhos é um bom indicador de como ele tratará o povo da igreja de Deus.
Agora veremos os benefícios de se ter diáconos casados. Mediante como ele governa sua casa, podemos ver como usará a autoridade na igreja. E se um diácono não for casado, ou não tiver filhos? Já argumentamos que isso não o desqualifica para o ofício. Mas como saberemos que ele pode usar bem a autoridade, e governar bem na igreja? Em tal circunstância, devemos olhar para o governo do homem sobre seu próprio corpo e espírito. Ele tem a si mesmo sob controle? Ele lida bem com as responsabilidades e autoridade que possui em outras áreas da vida? O homem que tem todas as outras qualificações para o ofício, e cuja piedade o traz à atenção do concílio quando o nomeia, provavelmente será capaz de trabalhar bem na igreja, mesmo que não tenha esposa e/ou filhos. Tal homem terá que trabalhar bem próximo de outros diáconos, e estar pronto a ouvir os seus conselhos.
Diáconos, vocês são qualificados? Oram por essas graças?
Congregação, coloquem sempre os seus diáconos diante de Deus em oração, para que sejam homens assim!
1E-mail para contato: [email protected]. Traduzido em agosto/2007.
2Barnett, James Monroe. The Diaconate: A Full and Equal Order. Valley Forge, Pennsylvania: Trinity Press International, 1995. Página 39.
3The Standard Bearer, vol. 38, page 132.
4Citado por Jeannine E. Olson, One Ministry, Many Roles: Deacons and Deaconesses Through the Centuries (St. Louis, MO: Concordia Publishing House, 1992), página 67.
5Pior que isso, são “doutrinas de demônios”, como diz Paulo em 1 Timóteo 4:1-3. (Nota do tradutor)
6Num artigo anterior, já defendemos o fato que a palavra “mulheres” em 1 Timóteo 3:11 significa exatamente isso – mulheres. Essa não é uma qualificação para diáconos do sexo feminino, mas para esposas de diáconos.
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