David Engelsma
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto / [email protected]
Mateus 19:9 “Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de prostituição, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério”.
A questão abaixo veio de um leitor, pedindo mais luz sobre divórcio e novo casamento. O pedido é uma resposta às series de ensaios que apareceram primeiramente na revista Standard Bearer: “O Triste Caso de Bert Zandstra,” “O Escândalo do Silêncio,” e “O Novo Casamento da Parte Culpada.” O pedido por mais luz questiona particularmente a Palavra de Jesus Cristo em Mateus 19:9.
A de outra forma excelente série sobre divórcio e novo casamento do Prof. Engelsma me deixou com uma dúvida lógica. A menos que eu esteja lendo Mateus 19:9 de uma forma totalmente incorreta, a exceção de “adultério” parece estar relacionada diretamente com a frase, “e casar de novo,” em cujo caso a Confissão de Westminster está correta ao dizer: “no caso de adultério depois do casamento, à parte inocente é lícito propor divórcio, e depois de obter o divórcio casar com outrem, como se a parte infiel fosse morta” (CFW XXIV.V). Por outro lado, a visão do Prof. Engelsma de que o adultério é o único fundamento para a “separação” não parece levar em conta a frase, “e casar com outrem.” Contudo (e esta é a minha dúvida), tanto 1 Coríntios 7:39 como Romanos 7:3 claramente implicam que a morte de um cônjuge é o único fundamento para o novo casamento.
O problema que tenho (e estou grandemente perturbado com tudo isto) é que estas passagens parecem apresentar uma contradição. Por um lado, divórcio e novo casamento são aparentemente permissíveis no caso de adultério. Por outro lado, o único fundamento para o novo casamento é a morte de um cônjuge. Embora os argumentos do Prof. Engelsma contra o divórcio no caso de adultério sejam convincentes, particularmente à luz dos nossos adultérios contra o Senhor, ainda estou confuso sobre como faria uma exegese de Mateus 19:9. Ou Engelsma está correto e a CFW está errada neste ponto (note: eu nem mesmo perguntei sobre a frase “não está sujeito à servidão” em I Coríntios 7:15!), ou a CFW está correta e Engelsma está impondo restrições extra-bíblicas sobre o divórcio e novo casamento. Contudo, se a CFW está correta, ainda terei dificuldade com I Coríntios 7:39 e Romanos 7:3.
Certamente não quero dar nenhum crédito aos Van-Tilianos que tão avidamente abraçam os “paradoxos da Escritura.”
Se o Prof. Engelsma lançar mais luz sobre este assunto, eu apreciaria.
Virginia Beach, VA
A Escritura então se contradiz?
Há um texto na Bíblia que poderia parecer aprovar o novo casamento após o divórcio. Um texto! Se entendido como novo casamento aprovado, este texto aprovaria o novo casamento somente da “parte inocente”, isto é, a pessoa casada cuja esposa (ou esposo) cometeu adultério. Todos os outros novos casamentos são proibidos, sendo considerados como adultério.
Este texto é Mateus 19:9:
“Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de prostituição, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério.”
Contra a aparente aprovação do novo casamento da “parte inocente” em Mateus 19:9, existem vários textos que claramente proíbem todos os novos casamentos após o divórcio, a despeito do fundamento do divórcio. Estas passagens condenam todo novo casamento após o divórcio como sendo adultério.
Marcos 10:11-12: “E ele lhes disse: Qualquer que deixar a sua mulher e casar com outra adultera contra ela. E, se a mulher deixar a seu marido e casar com outro, adultera.”
Lucas 16:18: “Quem repudiar sua mulher e casar com outra comete adultério; e aquele que casa com a mulher repudiada pelo marido também comete adultério.”
1Coríntios 7:10-11: “Todavia, aos casados, mando, não eu, mas o Senhor, que a mulher se não aparte do marido. Se, porém, se apartar, que fique sem casar ou que se reconcilie com o marido; e que o marido não deixe a mulher.”
1Coríntios 7:39: “A mulher casada está ligada pela lei todo o tempo em que o seu marido vive; mas, se falecer o seu marido, fica livre para casar com quem quiser, contanto que seja no Senhor.”
Romanos 7:2-3: “Porque a mulher que está sujeita ao marido, enquanto ele viver, está-lhe ligada pela lei; mas, morto o marido, está livre da lei do marido. De sorte que, vivendo o marido, será chamada adúltera se for doutro marido; mas, morto o marido, livre está da lei e assim não será adúltera se for doutro marido.”
A proibição de novo casamento nestas passagens é absoluta.
Romanos 7:2,3 e 1Coríntios 7:39 fundamentam a proibição absoluta na natureza do casamento, pois este é uma ligação para toda vida, em virtude da ordenação soberana de Deus como Criador e Governador deste mundo.
Um texto aparentemente conflita com esta proibição absoluta de novo casamento, por supostamente aprovar o novo casamento da “parte inocente.”
Se Mateus 19:9 de fato permite o novo casamento da “parte inocente”, ele contradiz fatalmente o ensino da Escritura sobre casamento, divórcio e novo casamento nas passagens citadas acima, especialmente I Coríntios 7:39.
Admissão da Contradição na Confissão de Westminster
Embora adote a posição de que Mateus 19:9 permite o novo casamento da “parte inocente”, a Confissão de Fé de Westminster realmente admite esta permissão do novo casamento da “parte inocente”, e, portanto, Mateus 19:9 (como os teólogos de Westminster explicam), contradiz I Coríntios 7:39. Ela faz esta admissão quando, tendo dito, “no caso de adultério depois do casamento, à parte inocente é lícito propor divórcio, e depois de obter o divórcio casar com outrem”, ela adiciona: “como se a parte infiel fosse morta.” Os representantes da Assembléia de Westminster reconheceram que sua permissão de novo casamento da “parte inocente,” supostamente sobre a base de Mateus 19:9, contradizia a regra de I Coríntios 7:39 de que somente a morte dissolve o laço do casamento, de forma que uma pessoa casada esteja livre para casar com outra. Portanto, os teólogos de Westminster sentiram necessário confeccionar o estranho, assustador e obviamente falso decreto de que o adultério efetivamente torna o adultero—a “parte culpada”—morto no sentido de I Coríntios 7:39. Assim, eles tentaram conformar Mateus 19:9 (como eles o explicavam) com I Coríntios 7:39.
O problema com isto é que I Coríntios 7:39 não está se referindo a uma morte fictícia, virtual, “faz de conta” e irreal. O apóstolo não diz, “mas se ela ou alguém mais decidir considerar seu marido como morto, ela está livre para casar com quem quiser.” A morte em I Coríntios 7:39, a qual é a única que dissolve o laço do casamento, de forma que a pessoa casada pode se casar com outra, é uma morte real e física—morte que quebra todos os laços terrenos, morte que coloca o corpo (que de outra forma deveria estar na cama com sua esposa) do homem na sepultura.
A explicação de Mateus 19:9 segundo a qual é permitido que a “parte inocente” case novamente, contradiz I Coríntos 7:39. Neste caso, a Escritura contradiz a Escritura.
Mateus 19:9 é Auto-Contraditório?
A questão piora ainda mais. Se Mateus 19:9 permite o novo casamento da “parte inocente,” o texto é auto-contraditório. Ao invés de proibir o novo casamento, entre outros, da “parte culpada” como sendo adultério (isto é o que o texto expressamente ensina), o texto realmente abre a porta para o novo casamento da “parte culpada.” Ele faz isto exatamente ao permitir o novo casamento da “parte inocente.” Pois se a “parte inocente” pode casar novamente, este deve ser um caso no qual o laço do casamento entre a “parte inocente” e a “parte culpada” está dissolvido. Mas se o casamento está dissolvido, presumivelmente pelo adultério da “parte culpada,” ele está dissolvido para a “parte culpada” tanto quanto para a “parte inocente.” E se não há nenhum casamento, a “parte culpada” tem todo direito de casar novamente. Não estando casado, ela está livre para casar (novamente).
Assim, Mateus 19:9 contradiz a si mesmo e mergulha a questão de divórcio e novo casamento numa confusão e caos completo.
A Harmonia de Mateus 19:9 com Toda Escritura
Na realidade, não há nenhuma contradição entre Mateus 19:9, por um lado, e todos os textos proibindo o novo casamento, por outro lado. Mateus 19:9 meramente parece aprovar o novo casamento da “parte inocente.” Para dizer de uma forma mais correta, a aprovação do novo casamento da “parte inocente” é uma inferência que alguns erroneamente extraem de Mateus 19:9.
O significado de Mateus 19:9 é que todo divórcio é proibido, exceto aquele devido à infidelidade sexual de um dos cônjuges. Lembrando da pergunta dos fariseus no versículo 3, o assunto principal da passagem é a legitimidade do divórcio. A frase, “não sendo por causa de prostituição,” dá a única exceção bíblica à proibição de divórcio. Ele não dá uma exceção à proibição de novo casamento. Para dizer de uma forma diferente, as palavras “não sendo por causa de prostituição” dão o único fundamento bíblico para se divorciar da esposa (ou marido). Eles não dão um fundamento bíblico para o novo casamento após o divórcio.
Cristo menciona o novo casamento no texto. Ele menciona isto porque quase sempre o homem que divorcia de sua esposa, ou intenta casar com outra mulher ou eventualmente se casará com outra.
O que dizer sobre novo casamento após o divórcio? O que dizer sobre a permissibilidade do novo casamento após o divórcio em Mateus 19:9?
Não há nenhuma questão sobre o novo casamento do homem que divorcia de sua esposa injustamente, isto é, o homem cuja esposa não é culpada de prostituição. Jesus declara—na verdade, este é o seu propósito principal no texto—que tal pessoa comete adultério quando se casa novamente.
Mas o que dizer sobre o novo casamento do homem que divorcia de sua esposa sobre o fundamento da prostituição dela? O que dizer sobre o novo casamento da “parte inocente” em Mateus 19:9?
Se Mateus 19:9 fosse concluído com as palavras “… e casar com outra, comete adultério”, haveria alguma escusa para a incerteza de se o texto permite o novo casamento da “parte inocente” ou não. Mesmo então, a igreja teria que levar em conta o ensino claro e explícito da Escritura (em outros lugares) de que todo novo casamento após o divórcio é proibido. A Escritura interpreta a Escritura. A passagem duvidosa deve ser explicada à luz das passagens mais claras.
Mas Mateus 19:9 não termina dessa forma! Há uma segunda parte: “e o que casar com a repudiada também comete adultério.” A repudiada é a mulher da primeira parte do texto cujo marido se divorciou injustamente dela e se casou com outra, cometendo adultério. Ela é a “parte inocente”. Todavia, quem quer que se case com ela comete adultério. Certamente, ela também comete adultério, se ela casar novamente.
Mateus 19:9 condena o novo casamento da “parte inocente” como sendo adultério.
Por quê?
Porque a esposa (ou marido) está ligada pela lei ao seu marido (ou sua esposa) enquanto seu marido (ou sua esposa) viver. Somente a morte dissolve o laço. O adultério não dissolve o laço do casamento. Enfaticamente, o adultério não tem o poder para dissolver o laço do casamento.
Mateus 19:9 está em perfeita harmonia com tudo da Escritura na questão vitalmente importante do casamento, divórcio e novo casamento.
O divórcio é permitido sobre o fundamento da prostituição.
Todo novo casamento após o divórcio é proibido como sendo adultério, incluindo o novo casamento da “parte inocente”.
A razão é que a ordenança honorável de casamento da parte de Deus é um laço para a vida toda, indissolúvel.
Que os santos pratiquem isso!
Que a igreja proclame isso!
E defenda-a com disciplina!
Fonte: Capítulo 5 do livro Until Death Do Us Part.
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