Rev. James A. Laning
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto1
Há uma relação inseparável entre desejar estar com Cristo no céu após a morte e desejar parecer-se mais com Cristo nesta vida. A Escritura nos diz que todos aqueles que têm verdadeiramente a esperança de se tornarem perfeitamente como Cristo no corpo e alma, quando Cristo aparecer, mostram ter essa esperança esforçando-se para começar, já nesta vida, a se purificarem assim como Cristo é puro (I João 3:3). Isso significa que todos aqueles que têm a esperança cristã anseiam experimentar mais e mais da graciosa obra divina de santificação.
A santificação é a obra salvífica de Deus na qual Ele livra o Seu povo da corrupção e domínio do pecado, e conforma-os à imagem de Cristo. É o processo pelo qual Deus nos torna mais semelhantes a Cristo, de forma que pensemos, falemos e ajamos como Ele.
Como Difere da Justificação
A santificação deve ser distinguida da justificação. Quando Deus nos justifica Ele nos livra da culpa do nosso pecado, e declara sermos perfeitamente justos em Cristo e ter direito a todas as bênçãos que Cristo adquiriu para nós por Seu sofrimento e morte. Quando Deus nos santifica, Ele nos livra do poder contaminador do nosso pecado, fazendo com que recebamos e experimentemos a vida celestial de Cristo, de forma que mais e mais voltemo-nos dos nossos pecados e andemos em obediência disposta a Deus, enquanto desfrutando de comunhão íntima com Ele.
A diferença entre justificação e santificação pode ser ilustrada por um homem que está trancado numa prisão para devedores e então passar a viver com o rei em sua casa, comendo diariamente em sua mesa e comungando com ele. A primeira coisa que acontece a esse homem é que ele ouve as boas novas que sua dívida foi perdoada, que ele não deve mais nada, e que foi-lhe na verdade concedido o direito de habitar com o rei em seu glorioso palácio. A segunda coisa que lhe acontece é que alguém vem até a sua cela, destrava a porta, tira-o da cela e leva-o à presença do rei, onde ele continua a habitar ali.
Tão impossível quanto pareceria que tal coisa pudesse acontecer a um ser humano, algo ainda mais impressionante aconteceu de fato conosco em Cristo Jesus. Que fomos justificados significa que fomos declarados estar livres da nossa dívida, e que ouvimos conscientemente essa declaração. Ouvimos que Cristo pagou a dívida que tínhamos, e que agora temos o direito de sermos libertos da cadeia do pecado, e entrar na casa do nosso Pai celestial. Isso é justificação. Mas então experimentamos também que Cristo, por Seu Espírito, nos liberta do domínio do pecado, de forma que não mais estamos em cativeiro aos nossos pensamentos e desejos pecaminosos, mas somos capazes de rompermos com esses pecados e submetermo-nos a Deus, para que andemos e tenhamos comunhão com Ele em Sua casa celestial. Isso é santificação.
Obra de Deus do Princípio ao Fim
Embora essa seja uma obra gloriosa de Deus na qual conscientemente nos tornamos ativos, é ainda obra de Deus do princípio ao fim. É verdade que quando Deus está nos santificando, nos voltamos do pecado para Deus de forma ativa e disposta. Mas Deus é aquele que nos dá não somente o dom da fé, mas também o dom do arrependimento (Atos 11:18). Ele produz em nós tanto a vontade como o ato de crer (Cânones de Dort III/IV:4). Ele faz com que andemos com disposição em Seus estatutos por meio da fé que Ele mesmo nos deu (Ezequiel 36:27).
Essa não é a forma na qual a santificação é freqüentemente apresentada. É geralmente dito que Deus tem um plano maravilhoso para a vida de todo crente, mas que esse plano com freqüência não é realizado porque o crente não faz a sua parte. Deus dá ao crente graça suficiente para crescer e tornar-se um crente maduro, que produz muitos frutos em todas as áreas de sua vida. Mas freqüentemente esse plano de Deus não é realizado, e o crente experimenta pouco, se é que algum crescimento, pois fracassa em cooperar com Deus. Tal visão ensina que a santificação é parcialmente a obra de Deus e parcialmente a obra do homem.
A verdade é que a santificação, assim como a justificação, é obra de Deus do princípio ao fim. Deus ordenou de antemão toda boa obra que realizaremos (Ef. 2:10), e faz com que por Sua graça realizemos precisamente aquelas obra que Ele determinou de antemão que faríamos. Ele nos dá não somente o desejo de realizar essas obras, mas também produz dentro de nós a própria atividade. “Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade” (Fp. 2:13). Tal é a forma que a Escritura apresenta a obra santificadora de Deus na vida de um crente.
É verdade que experimentaremos essa obra somente na forma da nossa submissão a ela. Confessamos isso no Dia do Senhor 38, onde nossos pais ensinam que o quarto mandamento requer de mim que “todos os dias da minha vida, desistir das más obras, deixando o Senhor operar em mim, por seu Espírito” (Catecismo de Heidelberg). Se o crente recusa se arrepender de algum pecado, Deus retirará o Seu Espírito Santo dele, embora não inteiramente, de forma que ele não experimentará conscientemente essa obra santificadora. Mas quando nos submetemos a essa obra, e experimentamos as bênçãos disso, agimos assim porque Deus nos faz agir dessa forma graciosamente.
Se temos falhado em submetermo-nos ao Senhor por um tempo, e se durante esse tempo não experimentamos progresso em nossa batalha com o pecado, mas antes entregamo-nos mais e mais a ele, isso também acontece de acordo com o decreto de Deus. O conselho de Deus permanece, Ele sempre faz toda a Sua vontade (Is. 46:10). Deus usa mesmo tais tempos para o nosso proveito. Mas é o nosso chamado e desejo submetermo-nos desejosamente a essa obra graciosa de Deus. E, enquanto fizermos isso, é Cristo operando em nós e através de nós.
Um Ato de Glorificação
Quando Deus santifica graciosamente Seu povo, Ele está começando neles a obra de glorificação. Alguns podem ter a tendência de pensar na glorificação como algo que não começa até após um crente morrer e ir para o céu. Mas, na verdade, já começamos a experimentar agora o ato de glorificação, quando fomos libertos da corrupção do pecado e conformados à imagem gloriosa de Jesus Cristo.
Que a santificação é um ato de glorificação é ensinado em vários lugares na Sagrada Escritura. Em primeiro lugar, olhemos para Romanos 8:30, que fala da ordem da salvação.
E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou.
Quando lendo esse versículo, alguém pode ser inclinado a perguntar: “Por que o apóstolo inspirado não falou sobre a santificação aqui?” A resposta é que a obra da santificação que experimentamos nesta vida pertence à obra divina salvífica da glorificação. Essa mesma verdade é ensinada em II Coríntios 3:18, “Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor.”
Quando começamos nesta vida a contemplar na Palavra de Deus a glória do Senhor, começamos a ser transformados nessa imagem gloriosa. Quanto mais Deus nos faz pensar, falar e agir como Cristo, mais radiamos a imagem gloriosa do nosso Salvador. Essa é a obra da santificação realizada pelo Espírito Santo, o Espírito de Cristo, que habita em nosso coração.
O crente obediente experimenta essa libertação do pecado gradualmente em sua vida sobre essa Terra. Embora seja verdade que nossa natureza pecaminosa não melhore à medida que envelhecemos, é verdade também que Deus nos faz experimentar mais a vitória sobre o nosso pecado.
Tomemos, por exemplo, o pecado de reclamação e de não estar contente no Senhor. Esse é um pecado que vemos dentro de nós. Quando observamos esse pecado, pedimos que Deus nos perdoe. Mas também pedimos que Ele nos livre mais e mais desse pecado, de forma que façamos progresso em estarmos contentes. Então, quando tivermos pedido isso com sinceridade e fé, experimentaremos que Deus concede o nosso pedido, de forma que no decorrer do tempo possamos ver o progresso espiritual que estamos fazendo em nossa batalha contra o pecado.
Quanto mais experimentamos a vitória sobre esse pecado, e sobre todo pecado, mais refletiremos as perfeições gloriosas de Deus, e mostraremos àqueles ao nosso redor que somos realmente filhos do nosso Pai que está no céu. Dessa forma glorificamos ao nosso Pai, e proclamamos os louvores daquele que nos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz.
Fonte: Standard Bearer, volume 80, issue 1
1E-mail para contato: [email protected]. Traduzido em junho/2008.
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