Prof. Herman C. Hanko
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto1
De certo ponto de vista, o filho de Deus não precisa de nenhuma instrução em Hermenêutica. Se Hermenêutica é a ciência da interpretação bíblica, segue-se da própria natureza da Escritura que nenhuma instrução formal é necessária para um santo regenerado ser capaz de entender o que Deus está dizendo em Sua Palavra. Incontáveis santos ao longo dos séculos têm lido a Palavra de Deus sem sequer conhecer o básico sobre Hermenêutica, sem ter nem mesmo ouvido a palavra. Eles têm lido a Escritura, entendido o que Deus estava lhes dizendo com clareza total, e guardado aquela Palavra em seu coração.
É verdade que ensinamos Hermenêutica no Seminário como um curso requerido para futuros ministros do evangelho. Os estudantes são obrigados a aprender os princípios da interpretação bíblica e aplicá-los à Escritura. Mas se eles, com seu aprendizado adquirido, pensam que por esses estudos adquiriram uma vantagem sobre o povo de Deus, estão tristemente enganados.
Tem sido sempre um princípio da Reforma Protestante contra o Catolicismo Romano que a Escritura é de fácil entendimento. Objetivamente, a Escritura é perspícua, isto é, clara e inteligível a qualquer um que seja capaz de ler. Subjetivamente, a verdade do sacerdócio de todos os crentes significa que todos do povo de Deus têm o Espírito da verdade em seu coração para guiá-los em toda a verdade. Qualquer filho de Deus, portanto, é capaz de entender a Palavra de Deus. Não faz diferença qual é a sua idade, educação ou posição na vida, ele pode conhecer o que o Espírito diz à igreja. Ele não precisa que alguém lhe diga, num ambiente de sala de aula formal, quais são os princípios da Hermenêutica.
Por que falar sobre Hermenêutica então? Parece redundante. E, que seja claramente declarado que, num sentido, a instrução em Hermenêutica é redundante. O filho de Deus, guiado pelo Espírito, sabe, como se instintivamente, intuitivamente, sem ser capaz de justificar isso, o que a Escritura ensina. Se você lhe perguntasse o que uma determinada passagem significa, ele seria capaz de lhe dizer. Se você insistisse mais no assunto e inquirisse dele como é que ele pode entender a Bíblia, quais princípios de Hermenêutica ele tem aplicado ao seu estudo, geralmente não seria capaz de lhe dizer. A Bíblia é, desse ponto de vista, como qualquer outro livro. Se ele puder ler algo escrito na linguagem que ele fala, pode igualmente ler a Bíblia. Se puder entender o que está sendo transmitido na língua que ele usa, pode da mesma forma entender o que a Bíblia diz. A Bíblia quer dizer o que ela diz. O significado literal da Palavra de Deus é o correto, como costumamos dizer.
Tudo isso não significa que a Escritura não é inexaurível em sua verdade. Certamente é! A perspicuidade da Escritura, como veremos, não significa que a Escritura é superficial e desprovida de conteúdo. A perspicuidade é parte da maravilha do milagre da Escritura. Isso pode ser facilmente ilustrado. Uma das passagens mais simples da Escritura é Lucas 2:7: “E deu à luz a seu filho primogênito, e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem.” Embora uma criança bem pequena seja capaz de entender essa passagem da Escritura sem dificuldade, ao mesmo tempo nenhum teólogo pode jamais ser capaz de mensurar a sua profundidade, e mais livros do que podem ser enumerados já foram escritos concernente a essa profunda verdade do nascimento de Cristo.
Por que então estudamos Hermenêutica?
A resposta é bem limitada. Tudo o que a Hermenêutica realmente faz é cristalizar, sistematizar e articular princípios que são intuitivos a todo filho de Deus. Quando um filho de Deus ouve, talvez pela primeira vez, quais são os princípios da Hermenêutica, sua resposta deveria ser (e será, se a Hermenêutica estiver correta), “Eu sempre soube isso!” Ela torna claro e traz à consciência aquilo que há tempos tem sido assumido. A Hermenêutica não tem nada novo a dizer, nenhuma coisa nova a comunicar, nenhum novo discernimento para dar informação ao homem que tem sido um sério estudante da sagrada Escritura.
Isso é humilhante—como deveria ser. Um domínio de um curso em Hermenêutica não dá a um homem uma posição de superioridade sobre o povo de Deus. Isso não lhe dá discernimentos sobre a Escritura que um homem no banco não possa adquirir sozinho com atenção cuidadosa e diligente à Palavra de Deus. Isso não o coloca numa categoria separada, como um possuidor de um corpo de conhecimento que os santos de Deus não podem adquirir sem o mesmo curso formal. Isso não lhe dá uma chave para destravar a casa de tesouro da Escritura, cuja chave ninguém que não tenha o seu curso de pós-graduação possui. Se ele pensa assim, o púlpito não lhe pertence. Ele possui uma arrogância que o torna incapaz de ser um mestre em Israel.
Todo ministro da Palavra, mesmo se adquirir uma graduação com honras em seu curso de Hermenêutica, tem que escutar melhor o que o povo de Deus diz quando eles lhe relatam o entendimento que tiveram da Palavra de Deus. Eles terão algo proveitoso a dizer, algo que ele pode aprender, algo que enriquecerá o seu próprio entendimento do que Deus tem para revelar à igreja.
Isso é especialmente verdade quando consideramos que, com muita freqüência, o ministro faz sua obra exegética na torre de marfim de seus estudos e faz da sua tarefa de explicar a Escritura o objeto de intensa atividade intelectual. O povo de Deus fala do que a Palavra de Deus tem significado para eles em sua vida e chamado. O Espírito Santo selou a verdade sobre o coração deles nas dificuldades e sofrimentos da vida. Eles sabem, sabem numa forma que somente um ministro que vive, ora e sofre com eles, pode saber. Eles sabem juntos, dentro da comunhão dos santos à medida que admoestam uns aos outros, ajudam uns aos outros ao longo da vereda difícil da vida, e se unem em louvores ao Deus da sua salvação.
Fonte: Capítulo 1 de Issues in Hermeneutics, de Herman C. Hanko.
1E-mail para contato: [email protected]. Traduzido em junho/2008.
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