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Lógica e a Escritura

Rev. Ronald Hanko

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto1

A Questão

A lógica tem um lugar no estudo da Escritura?

Os teólogos evangélicos modernos têm, na melhor das hipóteses, dado uma reposta muito ambígua para essa pergunta. Embora não rejeitando inteiramente o uso da lógica – quem pode? – eles, todavia, recusam encarar muitas das conseqüências lógicas de seus próprios ensinamentos, ensinam muitas doutrinas logicamente inconsistentes, tais como a doutrina das duas vontades contraditórias em Deus, e condenam como racionalistas aqueles que insistem numa construção lógica da verdade.

Quando suas inconsistências são apontadas, eles zombam da “mera lógica humana,” e falam de “mistério” ou de “antinomia”, “tensão,” e de contradições aparentes ou reais na Palavra de Deus.

O que devemos pensar sobre tudo isso?

O apelo ao mistério soa como muito piedoso para a maioria dos crentes, visto que a Escritura também fala de mistério. Mas essas pessoas estão seguindo o conceito bíblico de “mistério” quando usam a palavra para significar “contradição” ou “paradoxo”? A Bíblia, ao falar de mistério, refere-se a doutrinas que contradizem umas às outras e que são impossíveis de serem entendidas? Pode haver verdades sobre Deus ou ensinos da Escritura que contradigam uns aos outros?

Na mesma linha, a incompreensibilidade de Deus significa que podemos crer em coisas contraditórias sobre ele? É impossível, pelo menos às vezes, entender e fazer sentido o que Deus diz sobre si mesmo e sobre sua Palavra? Isso perece ser a conclusão de alguns daqueles que tão frequentemente condenam o uso da lógica e defendem todo tipo de contradições em Deus e na Escritura – que a racionalidade é incompatível com a incompreensibilidade de Deus.

E finalmente, é racionalismo insistir que as doutrinas da Escritura devem ser logicamente consistentes umas com as outras? Esta é a acusação feita contra aqueles que insistem que os ensinos da Escritura não podem contradizer uns aos outros. Eles exaltam a lógica acima da Escritura quando tentam harmonizar as verdades da Escritura e arranjá-las num sistema logicamente coerente? Muitos, certamente, diriam que sim.

Lógica

Talvez a razão pela qual o apelo contra a lógica é tão bem sucedido é que a palavra invoca na mente do homem moderno, até mesmo do cristão, um sistema frio e estéril de doutrinas que não tem nenhuma relação com a vida e que é totalmente sem paixão ou entusiasmo. Contudo, essa visão da lógica é incorreta.

Uma ajuda para dissipar essas noções errôneas é lembrar quer obtemos a palavra “lógica” da palavra grega “logos“, traduzida como “Palavra” em João 1:1-14 e usada como um nome para o nosso Senhor Jesus Cristo. Não é mais estranho pensar em Cristo em termos de lógica do que pensar nele em termos de Palavra. Conectar logos com fala ou a palavra falada é somente dizer que é através dele que Deus fala conosco e revela a si mesmo para nós. Conectar logos com lógica é somente dizer que quando Deus fala conosco através de seu Filho, ele fala racional e inteligivelmente. Este é, de fato, o milagre da revelação – não apenas que Deus fala conosco, mas que podemos entender e ver o sentido do que ele diz.

James O. Buswell diz,

Quando aceitamos as leis da lógica, não estamos aceitando leis externas a Deus às quais ele deve estar sujeito, mas estamos aceitando leis da verdade que são derivadas do caráter santo de Deus … A Bíblia como um livro escrito em linguagem humana alega falar a verdade. Se a palavra verdade tem significado, isso implica as leis da verdade, isto é, as leis da lógica.

Certamente, não negamos que uma operação do Espírito é necessária para que o homem natural entenda o que Deus diz. Contudo, o problema com o incrédulo não é que o que Deus diz é ininteligível ou irracional, mas que o homem natural é um tolo. Ele não entenderá. Ele é um pouco parecido com um estrangeiro que finge não entender o inglês para evitar uma confrontação desagradável com as autoridades.

A lógica é simplesmente o pensamento correto e as regras da lógica são as regras para o pensamento correto. Se tivermos isso em nossas mentes, não pensaremos na lógica com tanto desprezo. Certamente Deus quer que pensemos corretamente sobre ele, sobre o certo e o errado, e sobre todas as outras coisas. E da mesma maneira, deve ser pecado pensar erroneamente sobre Deus, sobre sua verdade ou sobre moralidade. Dizer que o certo é errado ou que o errado é certo é uma questão de pensamento errôneo e pecaminoso (Is. 5:20). O pensamento correto, pelo menos sobre as coisas de Deus, não é somente apropriado, mas é requerido de nós e todo pensamento errôneo é condenado (Sl. 50:21; Fp. 4:8).

Pensar corretamente então, é pensar em harmonia com tudo o que a Palavra ensina. Devemos pensar o que Deus pensa. Nós temos os seus pensamentos na Palavra. E assim, da mesma forma que ao confessar dizemos o que ele diz, assim ao pensar pensamos o que ele revela – seus próprios pensamentos (Sl. 10:4). Devemos, portanto, trazer “cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2Co. 10:4).

Tal pensamento correto, contudo, é racional e faz sentido. Pensamento correto não será apenas pensamento que é baseado na Palavra de Deus, mas pensamento que é, portanto, inteligível e racional. Exatamente porque os “pensamentos” da Palavra são a revelação de Deus, eles não são irracionais, sem sentido, contraditórios ou impossíveis de serem entendidos.

Concordamos nesse ponto com Gordon Clark, que pergunta,

Não parece estranho, nesse sentido, que um teólogo possa ser tão grandemente ligado à doutrina da expiação, ou um pietista à idéia de santificação, as quais, todavia, são explicadas somente em algumas partes da Escritura, e mesmo assim serem hostis ou terem suspeita da racionalidade e lógica que cada versículo da Escritura exibe? (An Introduction to Christian Philosophy, p. 72).

Não adianta zombar da “mera aritmética humana”, como Gordon Clark sugere em outro lugar, quando pergunta: “Dois mais dois são quatro para o homem, mas onze para Deus?” (“God and Logic,” Trinity Review, no. 16).

Racionalismo e Racionalidade

Tudo isso leva a outro ponto importante, a defesa da racionalidade. Racionalidade não é o mesmo que racionalismo. Quando alguém insiste que é uma contradição, um absurdo impossível, dizer que Deus deseja e não deseja a salvação dos réprobos, ele é imediatamente acusado de racionalismo. Mas ele está sendo apenas racional. É algo diferente.

O que precisa ficar claro é que não é racionalismo ser racional e insistir que a verdade deve ser racional e fazer sentido. Racionalismo é pensar que podemos chegar em algum lugar sem começarmos com Deus e com a Escritura. De fato, é o racionalismo que tem levado o homem moderno à beira da irracionalidade total e da anarquia na filosofia, arte, ciência e ética. Ao separar seu pensamento da Escritura, ele tem terminado em absurdos.

Francis Schaeffer diz,

Tem, pois, o Cristianismo a oportunidade de falar claramente quanto ao fato de que a resposta que oferece encerra exatamente aquilo de que se desesperou o homem moderno – a unidade de pensamento. É uma resposta una que abarca a vida como um todo. É verdade que o homem terá de renunciar a seu arraigado racionalismo, entretanto, com base no que se pode discutir, tem ele plena possibilidade de recobrar a racionalidade. Pode-se perceber, agora, por que insisti com tanta ênfase, anteriormente, na diferença entre racionalismo e racionalidade. Esta perdeu-a o homem moderno (Morte da Razão, p.82).2

Quando, portanto, um teólogo procura reconciliar os ensinos da Escritura com ela mesma, ele não está sendo um racionalista. De fato, é a tarefa do teólogo sistematizar as verdades da Escritura, de forma que todas elas se relacionem umas com as outras e não se contradigam. Rejeitar a lógica e a racionalidade é destruir até mesmo a possibilidade de fazer teologia. Todavia, isso é o que muitos teólogos insistem que deve ser feito.

A questão aqui, portanto, não é de revelação versus racionalismo, mas se a revelação é racional ou não – se, quando Deus fala, ele fala irracionalmente, em contradições e paradoxos, ou não. Uma contradição, isto é, que um quadrado é redondo, é um absurdo. Alguns podem crer em contradições, mas nesse caso eles podem ser acusados de serem irracionais, ou até mesmo de insanos.

São tais contradições que os teólogos defendem quando dizem que Deus tem duas vontades, que ele deseja e não deseja salvar todos os homens, que ele ama e não ama os não-salvos, ou que primeiro amando-os e então não os amando mais ele permanece imutável. Rejeitar tais contradições não é racionalismo, mas é racionalidade e uma rejeição de toda irracionalidade.

O Mistério

É nesse ponto que surge a questão do mistério. Para defender suas contradições, alguns teólogos dizem: “Isso é um mistério.” Para alguém que pensou pouco sobre o assunto, essa parece uma resposta muito boa. Afinal de contas, a Bíblia fala de mistério, e no uso diário a palavra parece significar “algo que não podemos entender.” Assim, o teólogo parece perfeitamente justificado no uso da palavra mistério como significando “algo impossível de entender – uma contradição.”

Contudo, esse não é o significado bíblico da palavra mistério. Na Escritura, a palavra significa “algo que o homem natural não pode entender, pois ele é um tolo, mas que é revelado aos filhos de Deus pelo próprio Deus e que pode e deve ser entendido por eles.” Paulo fala em Efésios 3:3-5 do mistério “o qual, em outras gerações, não foi dado a conhecer aos filhos dos homens, como, agora, foi revelado aos seus santos apóstolos e profetas, no Espírito.” Nem é esse mistério entendido somente por teólogos e líderes como Paulo, mas foi dado de forma que “quando ledes [os membros ordinários da igreja], podeis compreender o meu discernimento do mistério de Cristo.”

Contudo, mesmo no uso comum da palavra os teólogos estão errados em esticar seu significado para abranger suas contradições e paradoxos. Quando falamos da doutrina da Trindade como um mistério, não queremos dizer “algo impossível de entender – uma contradição”. Não queremos dizer, em outras palavras, que a doutrina da Trindade é auto-contraditória e irracional, mas somente que não podemos entendê-la plenamente.

Se a doutrina da Trindade significa que Deus é um Deus e três Deuses ou uma Pessoa e três Pessoas (como Cornelius Van Til dizia), ela seria uma contradição e seria ininteligível. Deus não pode ser ao mesmo tempo um Deus e três Deuses. Mas a Trindade significa somente que Deus é um Deus e três Pessoas. Isso pode ser difícil de entender plenamente, mas não é uma contradição – nem um mistério no sentido de contradição.

Nem são as doutrinas da soberania de Deus e da responsabilidade do homem um mistério no sentido que contradizem uma a outra. Se fossem, teríamos que escolher uma dentre elas. Graças a Deus não o são. Elas são um mistério no sentido que não podemos entender plenamente como elas são reconciliadas, mas elas não se contradizem. Elas não são um paradoxo. Concordamos, portanto, com Herman Hoeksema, que disse:

Elas seriam contraditórias se a primeira proposição negasse o que é afirmado na segunda. Mas isso não é verdade. A primeira proposição afirma algo sobre Deus: Ele é absolutamente soberano e determina os atos dos homens. A segunda proposição predica algo sobre o homem: Ele é responsável por seus atos morais. A primeira proposição nega que o homem seja responsável? Se sim, você tem uma contradição aqui. Mas ela não nega. Aqueles que descobrem uma contradição aqui – geralmente os inimigos da verdade da soberania de Deus – tomam como certo que afirmar que Deus é soberano, mesmo sobre os atos do homem, é o mesmo que dizer que o homem não é responsável. Deve ser apontado, contudo, que isso não é nem expresso nem implicado na primeira proposição. Em nenhuma das duas proposições a responsabilidade é afirmada e negada ao mesmo tempo com relação ao homem. (“The Text of a Complaint”— fotocópias reimpressas dos volumes 21 e 22 da revista Standard Bearer, p. 19).

Dizer que Deus ama e não ama os réprobos não é um mistério, mas uma contradição. É impossível fazer sentido a idéia de que Deus ama os réprobos por um tempo e então cessa de amá-los e ainda permanece imutável. É tal contradição que rejeitamos e que deve ser rejeitada na teologia Reformada.

Lógica e a Doutrina de Deus

Há mais em jogo aqui do que a questão se devemos ou não crer em contradições, como muitos teólogos modernos dizem que podemos e devemos. A própria natureza e ser de Deus estão em jogo.

Um atributo básico de Deus é sua simplicidade, um atributo sobre o qual ouvimos pouquíssimo. O primeiro artigo da Confissão Belga lista primeiro esse atributo:

Todos nós cremos com o coração e confessamos com a boca que há um só Deus, um único e simples ser espiritual. Ele é eterno, incompreensível invisível, imutável, infinito, todo-poderoso; totalmente sábio, justo e bom, e uma fonte muito abundante de todo bem (Artigo 1).

Mas o atributo é tão pouco conhecido que a linguagem da Confissão Belga soa estranha aos nossos ouvidos.

A simplicidade de Deus significa que ele é indivisível. Isso é verdadeiro com referência às três Pessoas da Trindade – que elas não são deuses separados, mas um Deus. Isso é verdade também com respeito aos atributos de Deus. Eles não podem ser divididos uns dos outros, ou postos uns contra os outros. Não há, por exemplo, nenhuma divisão ou conflito entre sua justiça e sua misericórdia. Sua misericórdia sempre será justa e sua justiça sempre será misericordiosa. Não há, portanto, nenhuma contradição ou desarmonia em Deus. Ele é um e indivisível em sua Pessoa, em seus atributos, em seu propósito e vontade, e em suas obras. Suas obras nunca estão em divergência de seu propósito, nem seu propósito com ele mesmo.

Esse atributo é negado por aqueles que estão desejosos de encontrar contradição na vontade de Deus ou entre a vontade de Deus e suas obras. Não somente eles promovem a irracionalidade, mas negam sua simplicidade e estão em conflito com o que a Escritura ensina sobre Deus (1 João 1:5). Encontrar contradições em Deus é negar a Deus. Há muitas coisas sobre Deus que não podemos compreender, muitas coisas que não podemos entender plenamente, mas não há nenhuma obscuridade nele, de forma alguma.

Lógica e a Doutrina da Escritura

A “teologia do paradoxo e da contradição” é uma negação também da doutrina da Escritura. Se há contradição na Escritura, então a Escritura não é mais uma revelação. Uma contradição não “revela” nada. Ela torna o entendimento e a compreensão impossíveis. Nem ela é perfeita e infalível, caso contenha contradições. Uma contradição, não importa como alguém a veja, é uma imperfeição, um engano.

A regula Scripturae, a regra da Escritura, um dos grandes princípios da Reforma, significa que há uma linha consistente de ensino que corre por toda a Escritura, do princípio ao fim. Isso, certamente, segue do fato que ela é a Palavra de Deus. Se fosse apenas uma série de livros escritos por diferentes homens, não esperaríamos unidade nem consistência, mas porque o Espírito Santo é o autor da Escritura, ela tem tanto unidade como consistência em tudo o que diz. Isso é implicado nas palavras de Jesus em João 10:35: “A Escritura não pode falhar.” Encontrar contradições nela, quer no que ela diz sobre Deus ou em questões de detalhes históricos, é negar que ela é a Palavra infalível de Deus.

Isso não é dizer que entendemos cada passagem da Escritura. Há com certeza passagens que são difíceis de reconciliar, mas ninguém que creia na infalibilidade da Escritura insistiria que simplesmente não podemos entender. Admitir que realmente existem contradições é dizer que há enganos na Escritura e isso é negar a autoridade dela como a Palavra de Deus.

Lógica e Neo-ortodoxia

O que é mais assustador, contudo, sobre a tendência em admitir contradições tanto na Escritura como na teologia, é que isso é o próprio cerne da neo-ortodoxia. A idéia de que a fé é capaz de crer em contradições – que é a própria essência da fé crer em coisas irracionais – é o cerne da teologia do paradoxo de Karl Barth. Ele descreve a fé como “um salto no escuro,” visto que aceita todos os tipos de contradições: Deus tanto elegeu como reprovou Esaú (tanto amou como o odiou); Deus elege e reprova todos os homens; Deus é onisciente (conhecendo tudo) e, todavia, limitado em conhecimento.

Seus seguidores foram mais adiante. Brunner negou categoricamente a infalibilidade da Escritura ao ensinar que a Bíblia é cheia de contradições, mas que Deus pode e de fato revela a si mesmo através dessas coisas. A teologia, de acordo com Brunner, não está relacionada com a verdade inteligível racional, nem é a Bíblia um sistema de verdade. Da mesma forma, para ele as contradições e discrepâncias na Escritura é uma questão de condescendência de Deus para conosco e a única coisa importante é “encontrar” Deus através das Escrituras, e não entender e crer nelas literalmente.

Muitos evangélicos hoje tomam essa mesma visão da fé, da Escritura e de Deus. Eles também dizem que a Escritura não precisa ser coerente e consistente em toda parte, que o conhecimento de Deus pode ser cheio de paradoxos, antinomias e contradições e que a fé, por sua própria natureza, é capaz de aceitar tais contradições e a irracionalidade sem questionamentos.

Um exemplo que vem à mente é aquele do ministro Reformado que tentou defender a oferta sincera do Evangelho e a graça comum fazendo tal apelo à irracionalidade. Ele estava tentando responder a acusação de que Deus mostrar amor e graça ao réprobo nos dons naturais e numa oferta sincera do Evangelho faz de Deus mutável, isto é, ele os ama agora e pára de amá-los quando os envia para o inferno. Ao se defender, esse homem disse que Deus era imutável, mas como soberano poderia, todavia, “decretar para si mesmo uma série de disposições diferentes”. Em outras palavras, embora seja imutável, ele poderia como soberano decidir que mudaria sua atitude para com o réprobo ímpio. Colocando de uma maneira mais simples, ele estava dizendo que embora Deus fosse imutável, ele podia mudar.

O neo-orthodoxo Karl Barth colocou isso dessa forma:

Cremos que Deus pode e deve ser absoluto somente em contraste com tudo o que é relativo… porém tais crenças se mostram totalmente indefensáveis, corruptas e pagãs pelo fato que Deus de fato faz isso e o faz em Jesus Cristo. Não podemos fazer delas o padrão pelo qual medimos o que Deus pode ou não pode fazer, ou a base do julgamento que ao fazer isso ele cai em auto-contradição… Ele é absoluto, infinito, exaltado, ativo, intransitável, transcendente, mas em tudo isso ele é aquele que é livre em seu amor e, portanto, não é o seu próprio prisioneiro. Ele é tudo isso como o Senhor e de tal forma que ele abraça o oposto desses conceitos (isto é, ele é também relativo, finito, passivo, capaz de sofrer e ser sobrepujado em glória), embora seja superior a eles (Church Dogmatics, IV, i, 55, pp. 183ss; itálico meu).

O que Barth está dizendo? Ele está dizendo que a liberdade e soberania de Deus significam que ele pode ser infinito e finito ao mesmo tempo, exaltado e inferior, onipotente e impotente, imutável e ainda sujeito à mudança. A referência de Barth a Jesus Cristo não é nada senão uma desculpa para obscurecer o fato que ele está de fato negando a onipotência, imutabilidade e infinidade absolutas de Deus. Que Cristo, em sua natureza humana, era limitado, mutável, finito e nascido no tempo, não negamos. Mas isso não é o que Barth quer dizer. Ele quer dizer, como a primeira parte da citação mostra, que é pagão pensar ou dizer que Deus é absolutamente e sem limitação onipotente, onisciente, imutável e infinito. Ele deve também ser impotente, limitado em conhecimento, mutável e finito.

Se você objeta que isso é contradição ou paradoxo grosseiro, Barth certamente concordará com você e lhe dirá que isso é uma questão de fé – fé não entende, mas simplesmente crê no irracional. Essa, inconscientemente ou não, é a mesma conclusão daqueles que defendem seus paradoxos e antinomias hoje.

Interessantemente, a conclusão de Barth com respeito à teologia é: “ela nunca pode formar um sistema, abrangendo o objeto estudado” (Church Dogmatics, II, 3, p. 293). Isso é simplesmente dizer que não somente a teologia, mas o que ela busca, o conhecimento de Deus, é impossível.

Não negamos que a fé deve frequentemente aceitar o fato que não entende plenamente. Somente negamos que a fé seja “um salto no escuro,” que possa aceitar o absurdo e o irracional. Se Deus é Deus, se a revelação é verdadeiramente uma revelação de Deus, e se a Escritura é infalível e inquebrável, a fé não pode ser tal coisa.

O Perigo

O perigo aqui não é pequeno. Em muitas formas, a teologia do paradoxo coloca em jogo os fundamentos. A idéia de que pode haver contradições em Deus e na Escritura e que a fé pode aceitar essas contradições, abre a porta para todos os erros do subjetivismo que pragueja a igreja de hoje. Por subjetivismo queremos dizer o ensino de que o sentimento e a experiência são mais importantes que a doutrina e a verdade. “Não devemos argumentar em favor da verdade ou tentar provar que ela é correta”, dizem muitos. Podemos apenas “sentir” o que é correto e aceitá-lo cegamente. Tentar e fazer com que tenha sentido, fazer teologia ou ensinar doutrina é destruir toda possibilidade de paixão e amor e afundar na morte. Nossos sentimentos e experiências podem muito bem contradizer a Escritura, mas isso não os torna errados. A fé demanda que sigamo-los, mesmo que contradigam a Escritura.

Em oposição a tal erro, nos colocamos em oposição a toda “teologia” do paradoxo e da contradição, quer seja a de Barth, Niebuhr e Brunner, ou as versões mais ignorantes que se passam como evangelicalismo hoje.

1E-mail para contato: [email protected]. Traduzido em Setembro/2006.

2 Tradução da Editora Fiel, pg. 81. (Nota do tradutor)

Para material Reformado adicional em Português, por favor, clique aqui.

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