Cornelius Van Til: Uma Análise do Seu Pensamento, de John Frame
Prof. David J. Engelsma
Cornelius Van Til: An Analysis of His Thought, by John M. Frame. Phillipsburg, New Jersey: P & R Publishing, 1995. 463pp.
Em comemoração ao centésimo aniversário do nascimento de Cornelius Van Til, o Professor John Frame escreveu o que deve ser a análise definitiva do pensamento do seu mentor. Frame é um analisador simpático. Ele reconhece Van Til como “a maior influência teológica sobre mim” e o elogia como “o pensador cristão mais importante do século vinte.”
Contudo, reconhecimento e admiração não embotam a faculdade crítica de Frame. Ele reconhece a fraqueza de Van Til, por exemplo, sua falta de clareza no ensino e na escrita; sua falha relacionada a isso em não definir os termos; e sua conduta grosseira e agressiva na controvérsia com Gordon H. Clark. Frame difere suficientemente de Van Til na área de apologética, a ponto de deixar um observador se perguntando se certos “gnesio-Van Tilianos” não poderiam acusar Frame de apostasia apologética.
O valor do estudo magistral de Frame é que ele apresenta todo o pensamento de Van Til duma maneira sistemática, fazendo as distinções, aventurando-se em definições, e oferecendo explicações cuidadosas de dificuldades; explicações estas que estão ausentes nos próprios escritos de Van Til. Dessa forma, Van Til se torna inteligível.
Frame devota cerca de 240 páginas à teologia de Van Til, incluindo suas doutrinas da Trindade, a soberania de Deus, revelação, a antítese e a graça comum, antes de tratar da “apologética apropriada” de Van Til. Ele conclui com algumas observações sobre os sucessores e a influência de Van Til.
De grande interesse é a explicação, defesa e crítica de Frame da apologética pressuposicionalista de Van Til. Van Til “cria que a revelação de Deus tem autoridade absoluta (e assim, certa prioridade) sobre todo o pensamento humano” (p. 135). Com isto, Van Til alegou a realidade da antítese entre o crente e o incrédulo. Espiritualmente, o crente e o incrédulo não têm nada em comum. O pecador não-regenerado é totalmente depravado. A depravação afeta a mente do pecador, de forma que ele não pode conhecer nada verdadeiramente. Não tem sentido raciocinar com ele, apelando à sua mente e tentando provar as veracidades da fé a ele sobre os seus próprios fundamentos. Pior ainda, esta abordagem é o reconhecimento de sua autonomia.
O problema é que Van Til, ao invés de manter consistentemente a doutrina Reformada e bíblica da depravação total, compromete a doutrina por seu “conceito limitador,” a graça comum. A graça comum é fundamental para a teologia e apologética de Van Til. Há uma operação graciosa do Espírito “no profundo do coração do incrédulo” que produz o conhecimento de Deus nele. Este é o “ponto de contato” no homem natural para a prática da apologética Reformada (p. 206).
A obra da graça no incrédulo ocorre com e através da revelação que Deus dá de si mesmo na criação, de acordo com Romanos 1:18ss— revelação geral. Há graça na revelação mencionada em Romanos 1:18ss, de acordo com Van Til, de forma que o conhecimento de Deus que o ímpio tem a partir da criação pode servir à revelação da Escritura. No mínimo, ele pode servir como um ponto positivo de contato para o defensor Reformado da fé ou evangelista: “todos os homens conhecem o Deus verdadeiro através da revelação natural, ao que a revelação especial adiciona conteúdo suplementar” (p. 248; cf. pp. 116-119).
Mas isto não é outra coisa que não a teologia natural da Roma semi-Pelagiana. Não há nenhum ponto de contato no homem natural para o evangelho, quer o evangelho esteja sendo defendido ou proclamado. O pecador não-regenerado está espiritualmente morto. O evangelho não acha nada no incrédulo, não apela a nada no incrédulo, não se adiciona a nada no incrédulo, e não constrói nada sobre algo que esteja no incrédulo. No incrédulo a quem Deus escolheu para salvação, o evangelho cria seu contato pelo Espírito regenerador. Chamamos este contato de fé, e fé é o dom de Deus (Efésios 2:8).
O conhecimento de Deus que o pagão tem a partir da criação é imediatamente detido em injustiça. Nem por um uma fração de segundo o pecador usa, ou pode usar, este conhecimento corretamente. O único propósito de Deus com este conhecimento é tornar o pagão inescusável. Este conhecimento, tornado imediatamente como ele é numa mentira de idolatria, nunca é um ponto de contato, mas sempre um ponto de conflito. Ele tem ódio contra o evangelho; o evangelho luta contra ele. Não há lugar na hospedaria para Cristo.
Portanto, a crítica Reformada da apologética de Van Til não é de forma alguma que esta apologética é pressuposicional e antitética, ou nem mesmo que ela é muito pressuposicional e antitética. Antes, a crítica deve ser que a apologética de Van Til não é pressuposicional e antitética o suficiente. Van Til comprometeu a apologética Reformada com a noção semi-Pelagiana de graça comum.
Contudo, Frame é favorável para com o enfraquecimento de Van Til da sua própria posição antitética, por meio do “conceito limitador” da graça comum. O veementemente antitético Van Til é problemático para Frame. Nesta relação, Frame se mostra flexível ao Arminianismo:
O Arminianismo … [têm] muito em comum com a fé Reformada no nível mais profundo … Estou certo de que os crentes Reformados são, em geral, um só coração com seus irmãos e irmãs Arminianos (p. 212).
Que Van Til sustentava, ou alegava sustentar, tanto a antítese como o seu oposto— a graça comum— aponta para a natureza contraditória da teologia de Van Til. Este é o significado do “conceito limitador” no pensamento de Van Til. Toda doutrina é contraditória por outra doutrina que é seu “conceito limitador.” O “conceito limitador”, na realidade, não limita, mas contradiz. Não alguns, mas “todo o ensino da Escritura é aparentemente contraditório” (citado em Frame, p. 159). A palavra “Aparentemente” é enganosa, pois não há nenhuma possibilidade de reconciliar contradições. Nem Van Til faz qualquer esforço para demonstrar a harmonia real das contradições aparentes.
Não há nenhuma diferença entre a teologia de Van Til neste aspecto fundamental, e a “teologia do paradoxo” neo-ortodoxa, que Van Til castigou como o novo modernismo.
O pensamento contraditório torna o conhecimento impossível. Uma teologia de contradição torna o conhecimento de Deus impossível.
Frame reconhece a gravidade do problema em Van Til.
Uma vez que concordamos que a Escritura contém ensinos contraditórios, devemos também admitir que qualquer coisa, absolutamente, pode ser validamente deduzida a partir da Escritura. De fato, se a Escritura contém sequer uma contradição, ela implicitamente ensina tudo, e portanto, nada. A presença de contradições na Escritura invalidaria inteiramente a declaração da Confissão de Westminster de que o conselho de Deus deve ser encontrado nas “conseqüências boas e necessárias” da Escritura, bem como nas declarações explícitas da Escritura. Se há contradições na Escritura, então tudo, e portanto, nada, é uma “conseqüência boa e necessária.” A “… contradição aparente apresenta os mesmos problemas que as contradições reais para a análise lógica da Escritura … Se devemos extrair as inferências lógicas da Escritura, como a Confissão de Westminster prescreve, não nos acharemos na mesma tolice cega e dedutiva a partir das premissas aparentemente contraditórias? … se “todo o ensino da Escritura é aparentemente contraditório,” então qualquer dedução lógica a partir das premissas da Escritura parece estar excluído. Visto que há contradições aparentes não somente na doutrina da Trindade, mas também na doutrina dos atributos divinos e na doutrina da relação geral de Deus com o mundo, como podemos extrair quaisquer inferências lógicas a partir do ensino bíblico (p. 160)?
Bastante justo, embora Frame ignore as implicações da acusação, ou a admissão, de que “todo ensino da Escritura é aparentemente contraditório” para qualquer doutrina da Escritura. Se a inteireza da Escritura são contradições, pode a Escritura ser a revelação divina? Pode a Palavra de Deus ser essencialmente contradições aparentes por toda parte?
Frame tenta mitigar a seriedade da visão da Escritura de Van Til, ao observar que, de fato, Van Til é geralmente muito lógico em sua obra teológica. Mas isto somente sugere que, de acordo com sua visão da verdade, o próprio Van Til é paradoxo: afirmando uma coisa, a saber, a natureza contraditória de toda verdade, ele procede sobre a base do seu oposto, isto é, que a verdade é lógica.
Esta posição paradoxal capacita Van Til a viver no melhor de todos os mundos teológicos possíveis. Quando ensinando, ele pode ser lógico até certo ponto (e como uma pessoa poderia ensinar de outra forma?). Mas quando alguém desafia um dos seus escritos, por exemplo, que o Deus predestinador ama todos os homens e sinceramente deseja salvar a todos, ele pode prontamente se refugiar na “contradição aparente.”
Frame também opta pela natureza paradoxal da verdade. Ele faz isso numa declaração que equivale ao exemplo clássico do paradoxo: “a revelação apresenta contradições aparentes para nossas mentes, embora também nos sobrepuje com sua unidade lógica” (p. 175).
O que você disse?
Para Van Til e Frame, a primeira e fundamental contradição é a doutrina bíblica de Deus como Trindade. Frame defende a declaração controversa de Van Til de que Deus é uma pessoa bem como três pessoas. A defesa de Frame aumenta a confusão, pois Frame propõe que “é ortodoxo também dizer que Deus é uma substância e três substâncias.”
Certamente não é ortodoxo dizer isto, mas heterodoxo. A ortodoxia para os Presbiterianos é determinada pela Confissão de Fé de Westminster, e a Confissão claramente diz: “Na unidade da Divindade há três pessoas, de uma substância …” (2.3). Mas dizer o contrário cria uma grande confusão trinitariana. Agora, temos uma doutrina aparentemente Presbiteriana da Trindade que ensina que Deus é uma pessoa e três pessoas, bem como um ser e três seres.
Frame pensa que tal formulação é “valiosa por refrear o orgulho intelectual humano.” De fato, tal contradição equivale ao absurdo. Ela zomba da mente santificada do cristão, reduz a afirmação teológica a algo sem sentido, e destrói o conhecimento de Deus em sua vida trinitariana da nossa fé.
A fonte desta teologia ruim é “a idéia do aparentemente contraditório” (pp. 65-71).
Eu desafio qualquer praticante de apologética Reformada, quer pressuposicionalista ou evidencialista, a explicar, defender e promover tal doutrina da Trindade a um incrédulo, cultista ou herege: uma pessoa e três pessoas; uma substância e três substâncias. Ele não dirá que o defensor desta fé é maluco?
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto / [email protected]
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