David J. Engelsma
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto1
Quanto a mim, os meus pés quase que se desviaram; pouco faltou para que escorregassem os meus passos. Pois eu tinha inveja dos néscios, quando via a prosperidade dos ímpios. (Salmos 73:2-3)
Quase caído
Tão importante é a verdade da bondade de Deus para com Israel (isto é, o limpo de coração)2 que a batalha espiritual dos membros de Israel depende disso. Não é exagero dizer que a dúvida dessa verdade coloca em risco a salvação do limpo de coração. O salmista duvidou da verdade fundamental do evangelho lançada no versículo 1. Ele supôs que o oposto era verdadeiro. A verdade que Deus é bom para com Israel é certa, mas nem sempre certa na consciência do filho de Deus: “Quanto a mim” (v. 2).
O efeito dessa dúvida sobre a vida espiritual do salmista duvidoso foi que a dúvida o colou em extremo perigo espiritual. Seus pés quase se desviaram, pouco faltou para que seus passos escorregassem. Houve a ameaça de um desastre espiritual. Se seus pés se desviassem e seus passos escorregassem, ele seria destruído espiritualmente. Ele cairia! Pense nos pés de um alpinista se desviando para um declive abrupto, ou de um soldado escorregando e caindo na batalha. A realidade seria que sua fé em Deus cedeu e se perdeu. O salmista chegou perto de duvidar da bondade de Deus para com ele. Isso é incredulidade. Ele estava a ponto de concluir que tinha purificado seu coração em vão (v. 13). A apostasia seria o próximo passo, e o fim da apostasia é a destruição espiritual e eterna.
A experiência do salmista é aquela de todos os santos em algum tempo de suas vidas. Nas tribulações mais amargas das nossas vidas, duvidamos da bondade de Deus para conosco. Duvidando, sentimos nos afastar de Deus, que é a nossa salvação.
Mas os pés do salmista não se desviaram e seus passos não escorregaram: “quase”, mas não totalmente, “pouco faltou”, mas não inteiramente. Ele era filho de Deus, e Deus não permite que seus filhos caiam definitivamente. Deus levantou seu filho duvidoso no final, com a verdade que o salmista tinha perdido de vista: “Verdadeiramente bom é Deus para com Israel.”
A Grande Tentação
A explicação da dúvida que lançou o salmista em perigo mortal foi a prosperidade óbvia dos ímpios. A causa de sua dúvida quanto à bondade de Deus para consigo, o salmista aponta no versículo 3, como é claro a partir da palavra inicial “pois”. A causa era a “prosperidade dos ímpios”. Como regra, o ímpio prospera. O que consiste essa prosperidade, os versículos 4-12 descrevem em detalhe: abundância e prazeres terrenos. Aparentemente, tudo vai bem para o ímpio nessa vida. Aparentemente, essa prosperidade é bênção de Deus sobre o ímpio. Aparentemente, Deus os favorece.
Em contraste, a vida do salmista era cheia de problemas. Ele declara isso no versículo 14: “Pois todo o dia tenho sido afligido, e castigado cada manhã.” Seus próprios problemas são implicados por sua inveja dos ímpios. Eles têm aquilo que ele carece. As circunstâncias de sua vida eram o exato oposto das circunstâncias prósperas deles. Aparentemente, os problemas do salmista é maldição de Deus sobre sua vida terrena. Aparentemente, Deus não o favorece.
A inveja do salmista não meramente ressentia que as pessoas tinham mais do que ele, ou que os outros tinham tudo enquanto ele nada. Tal entendimento superficial da inveja do salmista, como se fosse nada mais que o ignóbil “monstro da inveja”, não faria justiça à profunda luta espiritual do homem temente a Deus. Sua inveja era o profundo descontentamento que Deus parecia abençoar os ímpios, que o odeiam, enquanto parecia reter a bênção de seu próprio filho, que o ama e serve.
A inveja era errônea, tristemente errônea, ma somente porque residia sobre uma suposição equivocada. A suposição era que a prosperidade é graça e as riquezas bênção. Sua conclusão é que a adversidade é desfavor e a pobreza maldição. Se a suposição do salmista estava certa, ele tinha direito de ter inveja do ímpio; assim como um filho bem comportado cujo pai o priva de coisas boas e até mesmo o espanca diariamente, mas mostra todo sinal de amor a um garoto depravado na vizinhança e enche esse perverso com boas coisas, poderia muito bem invejar tal garoto. Quem culparia o filho por pensar: “Eu poderia muito bem ser o canalha que vive ao lado”?
Significantemente, a palavra traduzida como “prosperidade” no versículo 3 é a palavra hebraica shalom. “Eu tinha inveja… quando vi o shalom dos ímpios”. Shalom é a paz e plenitude que Deus promete ao seu povo pactual no pacto da graça. O medo do salmista era que Deus dava shalom aos ímpios, aqueles fora de sua família espiritual, e negava shalom aos seus filhos. Esse medo deu origem à inveja, e a inveja considerou a noção: “Qual é a utilidade de se temer a Deus? Eu poderia viver melhor como os ímpios.”
A Única Salvaguarda
Contra essa triste e perigosa tentação, a qual nenhum cristão é estranho, existe uma salvaguarda, e apenas uma salvaguarda. A salvaguarda é a verdade: “Verdadeiramente bom é Deus para com Israel”, com sua implicação, “e ele não é bom para com os ímpios.”
Pregadores legítimos e fiéis do evangelho devem pregar essa verdade. Eles não devem proclamar ao rico, saudável, gordo e velho infiel, que parem de amaldiçoar, beber e fornicar para quando ouvir “Tenho certeza que sou abençoado, responder: “Sim, de fato, Deus é gracioso para com você e te abençoa abundantemente”. Se os pregadores querem estar livres do sangue de tais incrédulos, eles devem antes proclamar: “Se pensa que é abençoado por Deus, você é um tolo! A ira de Deus está te destruindo com cada dólar que você investe, cada lagosta que come, e cada fôlego que toma! Não existe bênção na incredulidade e impiedade! Nenhuma! Não existe nenhum shalom para o ímpio, nem na eternidade que é vindoura, nem nessa vida! Arrependa-se!”
O ministro fiel da palavra deve estar especialmente seguro que prega esse aspecto do evangelho bendito aos santos de Cristo em sofrimento. Aos pais chorando no túmulo de um filho (enquanto os vizinhos incrédulos desfrutam seus filhos saudáveis), à jovem mãe morrendo de câncer (enquanto sua vizinha perversa está cheia de vida), ao marido cuja esposa o abandonou pecaminosamente (enquanto seu vizinho ateu está felizmente casado), ao trabalhador que perdeu o seu trabalho (enquanto o vizinho ímpio continua no seu emprego), o pastor não deve trazer a mensagem [mentirosa] que a prosperidade dos ímpios é bênção graciosa de Deus sobre eles. Aos santos em sofrimento, essa mensagem necessariamente carrega as más notícias que as adversidades deles são evidência do desfavor divino. Mas que o ministro diga isso ao povo sofredor de Deus que está no cemitério, no hospital e no leito de morte: “Bom é Deus para com Israel. Verdadeiramente bom é Deus para com Israel.”
Fonte: Prosperous Wicked and Plagued Saints: An Exposition of Psalm 73, David J. Engelsma, p. 11-15.
1E-mail para contato: [email protected]. Traduzido em setembro/2007.
2
Verdadeiramente bom é Deus para com Israel, para com os limpos de coração (Sl. 73:1).
Para material Reformado adicional em Português, por favor, clique aqui.